Troca de Ana Moser pelo centrão: campo progressista ignora papel do esporte

Com ela, terceiro governo de Lula começava a caminhar no sentido de deixar um legado inédito, histórico: uma política público desportiva de Estado. Perene. Inclusiva


Por Wagner de Alcântara Aragão, especial para o Brasil Debate | De São Paulo (SP)

A esquerda brasileira, o campo progressista de um modo geral parece ainda ignorar a importância do esporte para o desenvolvimento social.

Do contrário, não teríamos deixado que o ministério da área tivesse entrado no rol de pastas negociáveis com o chamado centrão.

Alguém consegue imaginar Nísia Trindade trocada na Saúde por um indicado por legendas partidárias fisiologistas? Ou Margareth Menezes sendo obrigada a interromper seu trabalho de reconstrução de políticas culturais para que um alheio ao assunto ocupasse seu lugar?

Não, porque entendemos o quão esses setores são cruciais para um projeto de nação. Devem ser blindados de ingerências ideológicas divergentes daquelas que compõem o núcleo de um governo. Por mais ampla que seja a frente, há uma espinha dorsal a ser preservada.

Contudo, deixamos que o Ministério do Esporte seja conduzido, agora, por um integrante do grupo político que deu sustentação ao governo anterior no qual, por sinal, a pasta nem existia, tamanho o desprezo pela área. Por alguém de posicionamentos muito distantes da perspectiva norteadora do projeto político vencedor nas urnas, no voto popular.

A saída de Ana Moser é mais uma evidência de que o esporte não é entendido como estruturante para a formação de brasileiros e brasileiras emancipados, saudáveis, criativos, aptos a enfrentarem os desafios da vida cotidiana. Como o são a educação, a cultura, a saúde, os programas de distribuição de renda.

O TRABALHO HISTÓRICO DE ANA MOSER

Em oito meses, Ana Moser conseguiu realizar um trabalho extraordinário. O terceiro governo de Luiz Ignácio Lula da Silva começava a caminhar no sentido de deixar um legado inédito, histórico: uma política público desportiva de Estado. Perene. Inclusiva.

Ana Moser e a equipe que escolheu tinham essa visão. O substituto, a julgar por seu histórico e pelo motivo de sua condução ao cargo, parece longe de tal propósito.

Entendemos a necessidade de o governo garantir base no Congresso, indispensável para uma estabilidade política e econômica. E que isso implica em integrar, ao primeiro escalão, representantes das mais variadas colorações partidárias.

Entretanto, como dito, há postos negociáveis, há aqueles que não. Quais não? Aqueles postos que lidam com áreas estratégicas para que a essência, o DNA da visão de mundo de um governo seja mantido. Ao não incluirmos o esporte nesse leque, explicitamos que não compreendemos a importância elementar dele para a reconstrução do país.

BASE DE APOIO PARA ALÉM DO LEGISLATIVO

Ademais, base de apoio de um governo não se faz só no Legislativo, embora a deste tenha um peso de decisão maior.

Ao substituir Ana Moser por um deputado federal do centrão, o governo de Lula perde forças entre atletas e pessoas ligadas ao esporte. Boa parte, inclusive, gente que se engajou na campanha eleitoral em prol da vitória do campo democrático, e hoje vê uma de suas representantes precisar sair para dar lugar a alguém que, por sinal, estava do lado oposto, o de que impunha riscos ao processo civilizatório.

CAROL E MARIA CLARA

A manifestação das irmãs Carol e Maria Clara, filhas da ex-voleibolista Isabel Salgado (1960-2022), dá o tom dessa frustração. A crítica delas é pertinente, pois ponderam a necessidade que o governo tem de acomodar políticos de um espectro amplíssimo, mas sem deixar de alertar para a incompreensão generalizada do papel do esporte.

“Ver o esporte sendo mais uma vez usado como moeda de troca (…) é de uma tristeza profunda”, escreveram, em seus perfis no instagram. “Não [desconhecemos] a questão da governabilidade num sistema político com as distorções do nosso. Mas isso não pode justificar tudo e nem seremos incondicionalmente ao lado de tudo”.

O manifesto acrescenta: “O papel do esporte em um país tão desigual como o Brasil, onde tanta gente vive em situação de vulnerabilidade e não tem acesso aos seus direitos básicos, vai muito além do alto rendimento e medalhas olímpicas. O esporte é um caminho seguro pra saúde e educação de nossas crianças, é um agente de transformação, de pessoas e da sociedade.”

As duas terminam ressaltando a gestão iniciada por Ana Moser: “[ela] trabalhou voltada pela iniciação esportiva, pelo esporte como instrumento de saúde pública e não, como sempre foi, pelo esporte que só privilegia os grandes eventos”.

MÍDIA PROGRESSISTA POUCO FALA DE ESPORTE

Um outro dado a ilustrar a falta de percepção da esquerda sobre a relevância do esporte: o pouco espaço dedicado a notícias da área em meios de comunicação de linha editorial progressista.

Neste ano, este articulista apresentou um trabalho sobre esse tema no VIII Congresso Latino-Americano de Estudos Socioculturais do Esporte (Alesde), realizado em junho, na Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Intitulado “A falta de notícias sobre esporte  na imprensa alternativa progressista do Brasil”, o trabalho analisou três veículos, entre janeiro e março últimos: CartaCapital, Revista Fórum e Brasil de Fato.

Em um período de 90 dias, nas três publicações foram apenas 19 notícias que guardavam mínima relação com o esporte. Das três, só a Fórum apresenta editoria de esportes, mesmo assim não incluída no menu principal da página inicial do site.

“Embora o esporte esteja entre as preferências da sociedade brasileira”, dizem as considerações finais do estudo, “o cotidiano, os personagens, os eventos dessa área quase não aparecem no noticiário da imprensa alternativa progressista (…) Prejuízo não só a tal segmento de imprensa, mas ao meio esportivo, que se vê carente de cobertura de contraponto à dos meios hegemônicos (…)”.


Imagem em destaque: Ana Moser em entrevista à TV Brasil. Foto: Rafa Nedemeyer/ Agência Brasil




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