O que conecta as ditaduras que Brasil e Argentina enfrentaram

Livro dos professores Rodrigo Patto Sá Motta, da UFMG, e Daniel Lvovich, de universidade do país vizinho, compara estruturas de poder, propaganda oficial, políticas econômicas e outros aspectos dos dois regimes repressivos


Por Itamar Rigueira Jr., da UFMG | De Belo Horizonte (MG)

As ditaduras recentes do Brasil (1964-1985) e da Argentina (1976-1983), marcadas por forte protagonismo dos militares, são objeto de análises, de diferentes perspectivas, no livro “As ditaduras argentina e brasileira em ação: violência repressiva e busca de consentimento”.

O volume é organizado pelos professores Rodrigo Patto Sá Motta, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Daniel Lvovich, da Universidad Nacional de General Sarmiento (UNGS), na Argentina.

O livro põe em contraste, comparação e conexão as ditaduras dos dois países.

DITADURAS CONGÊNERES

“Partimos da convicção de que elas foram congêneres, mas, ao mesmo tempo fenômenos singulares, e que o estudo combinado das duas revelaria pontos comuns e diferenças, contribuindo para o avanço no conhecimento do tema”, explica Rodrigo Patto.

Outra motivação importante, segundo ele, foi o cenário político recente, “que nos mostra que estudar o passado autoritário ajuda a compreender o presente”.

OUTRAS ANÁLISES

Duplas de especialistas, um de cada país, analisam juntos temas-chave que servem ao entendimento do funcionamento e da sustentação dos Estados autoritários, como planos econômicos, violência estatal, propaganda e políticas trabalhistas.

“Nos dois casos, o poder se apoiou numa combinação assimétrica entre repressão e ações para conquistar o apoio de parcelas da população”, comenta o professor, que integra do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), da UFMG.

PODER FEDERAL E MUNICIPALIZAÇÃO

Os dez capítulos que compõem o volume destacam, por exemplo, que na Argentina foi implementado um projeto econômico neoliberal com efeitos desindustrializantes, enquanto no Brasil o regime apostou na intensificação da base industrial, embora com achatamento de salários e concentração de renda.

Se no Brasil a ditadura ampliou o poder do governo federal, no país vizinho houve descentralização e “municipalização”, marcas do neoliberalismo.

“Nos dois casos, houve incremento agudo da violência estatal, mas na Argentina os principais alvos foram militantes políticos, enquanto aqui a população pobre e marginalizada foi mais atingida”, pontua Rodrigo Patto.

ESTRUTURAS DE PODER

O historiador da UFMG assina o primeiro capítulo do livro – Estado e governo nas ditaduras brasileira (1964) e argentina (1976) –, com Paula Canelo, professora da Universidade de Buenos Aires.

Eles tratam das estruturas de poder construídas pelas ditaduras e de suas escolhas políticas. Da análise comparativa, Rodrigo Patto destaca a constatação de que a ditadura argentina foi mais radical na sua tentativa de refundar o país.

“No Brasil, por outro lado, a opção foi por adaptação e acomodação com as tradições anteriores, mantendo o Congresso em funcionamento, por exemplo. Embora essa estratégia dos militares e seus aliados civis não mude o caráter ditatorial do regime, ela abriu caminho para uma transição mais suave que no caso argentino; lá, a ditadura acabou abruptamente. Pode-se afirmar que uma consequência disso é que no Brasil a democracia é mais frágil”, atesta o organizador do volume.

PROPAGANDA

Por sua vez, Daniel Lvovich, assina um capítulo com a professora Janaína Martins Cordeiro, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Eles examinam os traços fundamentais das políticas de propaganda e as estratégias de ação psicológica das ditaduras instauradas no Brasil, em 1964, e na Argentina, em 1976.

A comparação entre os dois casos mostrou que a doutrina da ação psicológica – que se vale de recursos e técnicas para gerar emoções e comportamentos em pessoas ou grupos com o objetivo de obter um determinado resultado – foi incorporada pelas Forças Armadas de ambos os países logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, mas na Argentina foi aplicada de maneira mais sistemática e permanente.

Nos dois casos, a propaganda oficial se articulou, de diversas maneiras, com a contribuição da imprensa e das empresas privadas de publicidade.

“Ambas as ditaduras apelaram aos motivos do nacionalismo mais estrito: no Brasil, predominou o chamado ao otimismo e prevaleceu a visão de um país em franco desenvolvimento; na Argentina, os primeiros anos foram marcados pelo discurso da guerra antissubversiva e, mais adiante, pelo de ‘ganhar a paz’, que adicionava os valores de harmonia social e desenvolvimento”, comenta Lvovich.

Para o professor da UNGS, o estudo comparativo das ditaduras ajuda a compreender como elas buscaram a adesão das populações, o que conseguiram parcialmente. “É importante também porque nos mostra como se formaram as memórias sobre esses períodos, que seguem sendo determinantes para a compreensão das identidades políticas dos dias atuais”, afirma.

MAIS SOBRE O LIVRO

O volume é o primeiro da série América Latina: histórias conectadas, coeditada pelas editoras da UFMG e da UNGS.

> As ditaduras argentina e brasileira em ação: violência repressiva e busca de consentimento
Organizadores: Rodrigo Patto Sá Motta e Daniel Lvovich
Editora UFMG e Ediciones UNGS
329 páginas | R$ 85,50
Saiba mais em <https://editoraufmg.com.br/#/pages/obra/989>.


Imagem em destaque: capa do livro.




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