Privatizações, 30 anos: investimentos caem e dívida pública sobe

Dados da Fundação Getúlio Vargas e pesquisadores da Unicamp e da UFRJ mostram as perdas que a entrega do patrimônio nacional causa ao Brasil


Por Vinicius Konchinski, do Brasil de Fato | De Curitiba (PR)

Há pouco mais de 30 anos, durante a gestão do então presidente Fernando Collor (hoje no PTB), o governo lançou um plano robusto de privatizações: Programa Nacional de Desestatização (PND), ainda em vigência.

Naquela época, com o país em processo de redemocratização e precisando crescer, a venda de grandes empresas públicas era apresentada como uma dupla solução: primeiro, levantaria dinheiro para pagamento da dívida nacional; depois, contribuiria com o crescimento dos investimentos no país já que setor privado aumentaria sua participação neles.

NÃO FOI BEM ASSIM…

Passados todos esse anos e vendidas estatais estratégicas como a Vale do Rio Doce e a Telebras, é possível dizer que as privatizações não serviram a nenhum dos objetos propostos.

Afinal, a dívida pública brasileira é maior do que era quando o tal programa foi lançado, em 1990; e o investimento ficou menor do que há 30 anos.

DADOS COMPROVAM

Segundo dados oficiais compilados pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 1990 o Brasil investia 20,66% do seu Produto Interno Bruto (PIB).

Só o governo federal investia 0,88% do total gerado pela economia brasileira num ano; estatais investiam 1,48%. Por sua vez, o setor privado investia 15,45%.

Desde de que as privatizações começaram, com a venda da Usiminas, em 1991, a taxa de investimento oscilou, mas nunca atingiu os 21%.

Em 2013, durante o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT), chegou ao maior patamar, em 20,91%. Desde então, caiu e fechou 2021 em 19,17%.

MAIS DADOS

Quando a onda de desestatizações teve início, em 1990, economistas liberais argumentavam que, ao vender suas empresas ao capital privado, o Estado “abriria espaço” para que o investimento privado crescesse e as modernizasse.

Em 2021, no entanto, o setor privado investiu 17,11% do PIB nacional, percentual maior do que em 1990, mas insuficiente para elevar o nível de investimento total.

Entre 2010 e 2020, o investimento privado correspondeu a 14,77% do PIB, na média. A taxa é menor do que a registrada em 1990.

Já os investimentos das estatais que restaram caiu para 0,66% em 2021. Isso é menos da metade do de 30 anos atrás.

“Ao contrário do discurso neoliberal de que é necessário o esvaziamento do Estado para que então o setor privado possa avançar, o que se observou de maneira geral é que a privatização não implicou adicional de investimento produtivo”, avalia o economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcio Pochmann.

Segundo Pochmann, as privatizações das estatais sequer serviram para aumentar a capacidade de investimento do governo federal, que em 2021 ficou em 0,26% do PIB – cerca de um quarto do que era em 1990.

Ele lembrou que existia essa previsão quando o programa de desestatizações foi lançado. As vendas arrecadariam recursos, que seriam usados para pagamento da dívida pública, e assim sobrariam fundos para construção escolas, hospitais, estradas, por exemplo.

DÍVIDA CRESCEU COM AS PRIVATIZAÇÕES

Os números, porém, mostram que não foi isso que aconteceu.

Além do investimento federal nunca mais ter alcançado o patamar de 1990, a dívida brasileira aumentou de lá pra cá, apesar do dinheiro recebido com a venda das estatais.

Em 1990, a dívida pública bruta era de 63% do PIB, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ela fechou 2021 em 80,3%, segundo estatística do Banco Central (BC).

“O recurso que os governos arrecadam por conta da privatização serviram basicamente para atender o serviço da dívida pública [os juros]. Não serviu para ampliação de investimento ou gasto social”, aponta Pochmann.

A professora Simone Deos, também da Unicamp, disse os dados sobre investimentos e dívida são eloquentes para demonstrar a ineficiência das privatizações como solução para o crescimento e desenvolvimento.

Para ela, é errado pensar que o investimento público “tira espaço” do privado.

A pesquisadora explica que, na verdade, o que ocorre é o contrário.

Empresários só investem quando têm expectativa de lucro. Quando o setor público investe, a economia como um todo tende a crescer. Se isso acontece, é maior a chance do empresário lucrar. Maior também a chance de ele querer investir.

“O investimento público e investimento privado geralmente aumentam ao mesmo tempo”, argumenta ela. “Não existe essa coisa de um expulsar o outro. Na verdade, o que deveria haver é uma complementaridade.”

INTERESSES

O economista Daniel Negreiros Conceição, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considera que essas expectativas equivocadas não são meros erros.

Para ele, há interesses no aumento das privatizações no Brasil. Esse interesse é de grandes empresários, os maiores beneficiados das vendas das estatais.

“Os capitalistas obviamente não querem enfrentar a concorrência estatal”, constata Conceição. “Cada vez que você estatiza e começa a promover serviços públicos, você tira a oportunidade do setor privado fazer isso. Então o sonho do capitalista é a privatização”.

PRIVATIZAÇÕES ATUAIS

Segundo Conceição, esses capitalistas têm hoje influência sobre “extremistas liberais” que comandam a economia nacional durante o atual governo. Por isso, as privatizações voltaram à pauta econômica.

Durante a atual gestão, foram privatizadas 36% das estatais brasileiras. Em 2019, a União controlava 209 empresas. Hoje, são 133.

CONTROLE DA ELETROBRAS

A última privatização relevante realizada foi a venda do controle da Eletrobras, maior empresa de energia da América Latina.

A operação também ocorreu porque, segundo o governo, isso possibilitaria o crescimento de investimentos da companhia.

A venda, aliás, ocorreu enquanto países como França e Alemanha discutem reestatizar empresas de energia para garantir sua soberania.

“O Brasil está na contramão. Parece surdo e cego ao que acontece no resto do mundo”, adverte Simone Deos.


Imagem em destaque: protesto em 1997, contra a venda da Vale do Rio Doce. Foto: Ricardo Stuckert/ Acervo Memorial da Democracia




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