O absurdo da Operação Escudo. Por Thaís Helena

Em artigo, a assistente social, mestranda em Serviço Social e Políticas Sociais na Unifesp, integrante do ‘Marias – Mandato Coletivo Feminista e Antirracista’, explica por que movimentos sociais seguem na resistência contra esse tipo de intervenção


RESPOSTA ÀS CRÍTICAS CONTRA
OS MOVIMENTOS SOCIAIS
QUE RESISTEM À OPERAÇÃO ESCUDO
Artigo de Thaís Helena, assistente social | De Santos (SP)

Foi realizada em 25 de setembro uma audiência pública, na Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista (Unifesp-BS), para discutir junto com a população as intervenções da Polícia Militar e a Operação Escudo que está sob o comando de Guilherme Muraro Derrite, mais conhecido como Capitão Derrite, um policial militar e político brasileiro, filiado ao Partido Liberal, atual secretário de segurança do Estado de São Paulo.

Depois de ouvir, nessa audiência pública, a sociedade civil e, principalmente, os familiares que perderam seus entes queridos na operação, fui surpreendida, na manhã do dia 27 de setembro, com uma “carta” do leitor, em jornal de circulação na cidade de Santos, que dizia: “Essa conversa da esquerda de que tudo de ruim que acontece no País é contra as populações negras, periféricas e pobres está enchendo.”

Imediatamente, fui buscar registros de massacres de policiais armados a grupos em bairros de classe média à classe alta.

Busquei também em jornais impressos, digitais, televisivos e de rádio, noticiais de algum caso de bala perdida que atingiu pessoas não negras em bairros não periféricos da Baixada Santista.

Felizmente não encontrei. Mas essa realidade, infelizmente, não acontece nos bairros da periferia onde sim encontra-se a população negra e pobre. Gostaria que nessas pesquisas também não tivessem notícias de mortes e todo tipo de violência contra a população negra, pobre e periférica.

Ao contrário do que afirmou o leitor, apareceram as notícias sobre:

> a morte de Ágata Felix de 8 anos de idade, no Rio de Janeiro em 2019;
> João Pedro, de 14 anos, baleado com 72 marcas de tiros de fuzil enquanto brincava com os primos durante uma operação policial em São Gonçalo/RJ em 2020;
> Kathlen Romeu, de 24 anos, grávida de três meses, alvejada com um tiro de fuzil em 2021;
> Genivaldo Santos morto após ser trancado no porta-malas de um veículo oficial da Polícia Rodoviária Federal (PRF), no estado de Sergipe, em 2022, onde foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta.

Todas, pessoas negras, e suas mortes foram comprovadamente causadas pela Polícia Militar. Na Baixada Santista, tivemos ainda os crimes de maio de 2006, em que até hoje dezenas de mães choram e não foram indenizadas.

Embora esses crimes tenham acontecido em datas, cidades e estados diferentes, as vítimas têm algo em comum: pessoas negras, pobres e periféricas.

O artigo “O Paraíso do Racismo”, publicado na Revista Piauí, em março de 2022, acertadamente diz: “No Brasil, a violência contra negros sempre acontece em nome de outra coisa que não o ódio racial.”

A história do nosso país é marcada pela escravidão de indígenas, africanos e seus descendentes; por uma lei de abolição sem trabalho formal, sem acesso à terra formando milhares de favelas, sem quaisquer direitos sociais garantidos.

Como escrevi no meu livro ‘Eu não tinha condições de pagar um aluguel decente. A política habitacional e urbana segundo a perspectiva das mulheres negras’, “As cidades brasileiras refletem, espacialmente e territorialmente, os crimes históricos que a sociedade não resolveu.”

Portanto, não se trata somente da Operação Escudo, se trata da continuidade da formação sócio-histórica brasileira que não foi interrompida.

Segundo o defensor público presente à audiência pública sobre a Operação Escudo, 55% dos mortos nessa operação não tinham passagem pela polícia, 76% não portavam drogas, 84% não foram apreendidos com armas e 67% eram negros.

Nessa operação, que teve como início a morte do Policial Patrick, das 958 prisões e 28 mortes nenhuma dessas pessoas presas ou mortas estava vinculada diretamente ou indiretamente ao assassinato do policial da Rota, que foi a justificativa dada para iniciar a operação.

Escrevo aqui representando meu partido (o Psol), mas também enquanto pesquisadora e estudante de mestrado da Unifesp (Campus Baixada Santista), pautada na ciência, nos grandes autores e intelectuais negros deste país que abordam o racismo estrutural nas cidades brasileiras.

Apesar de termos opiniões diferentes, concordo com a afirmação que o [referido] leitor fez sobre a inteligência da Segurança Pública, de que “não é burra”. Nesse ponto temos total acordo. A segurança pública deste país não é burra, e por isso afirmo que a segurança pública sabe que os grandes traficantes brasileiros não moram nas favelas.

A segurança pública deste país sabe que para haver comércio de drogas no varejo, há que se ter um comércio de drogas em atacado, e que as drogas que atravessam o Brasil, entram e saem pelos portos de Santos e do Rio de Janeiro, e quem faz as negociações entre o porto e as exportações de drogas não mora nas favelas.

Em 2021, a polícia localizou mais de 60kg de drogas em um condomínio de luxo, Jardim Acapulco, em Guarujá, não houve mortes ou tiroteio. As manchetes das notícias diziam: “Polícia localizou mais de 60 kg de drogas na casa de um médico em um condomínio de luxo em Guarujá”. O que faz então o vendedor de drogas varejista ser chamado de traficante e o em atacado ser chamado de médico? O que faz um ser morto e o outro ter apenas uma prisão preventiva?

Não queremos policiais mortos. E o que estamos presenciando são moradores das comunidades e policiais como o Patrick expostos em operações que nada irão resolver o problema do tráfico de drogas no nosso país, enquanto os traficantes atacadistas continuarem soltos em seus condomínios de luxo, e as operações policiais continuarem nas favelas brasileiras como se fôssemos a raiz do problema matando a população negra, pobre e periférica.

O RACISMO MATA, DÓI, ADOECE

O racismo que está e se estrutura na sociedade brasileira mata, dói, adoece. Alguns preferem chamar de vitimismo, principalmente porque não são eles as vítimas. Não, não queríamos estar ou ser a vítima, queríamos poder dizer: “Eu só quero é ser feliz | Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é. | E poder me orgulhar, | E ter a consciência que o pobre tem seu lugar.”, como diz a canção “Rap da Felicidade”, da dupla funk carioca Cidinho & Doca.

Por fim, pergunto quanto custa uma operação como essa com aproximadamente 600 policiais militares envolvidos? Esperanço um dia em que as favelas e comunidades sejam “invadidas” por 600 professores, agentes de saúde e outros benefícios públicos.

*Thaís Helena é assistente social, integrante do ‘Marias – Mandato Coletivo Feminista e Antirracista’. Atualmente, é primeira suplente de vereadora na Câmara de Santos, pelo Psol. Autora do livro “Eu não tinha condições de pagar um aluguel decente. A política habitacional e urbana segundo a perspectiva das mulheres negras”. Mestranda em Serviço Social e Políticas Sociais na Unifesp (Campus Baixada Santista).

Imagem em destaque: cartaz em um dos protestos contra a “Operação” Escudo. Foto: Lucas Martins/ Brasil de Fato




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