Sapos, rãs e pererecas são fontes para se entender o Cerrado

Pesquisa desenvolvida na UFG investigam coaxos e outras características e comportamentos dos anuros, que dão indícios do grau de degradação ou conservação ambiental de territórios


Por Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg | De Goiânia (GO)

Dar ouvidos aos sapos, literalmente, é uma das ferramentas que uma equipe de pesquisadores de diferentes áreas como a bioacústica, zoologia, divulgação científica, etologia, geoprocessamento, biologia da conservação, genética e genotoxicologia está adotando para ajudar a investigar como diferentes fatores interferem na conservação de anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas) do Cerrado goiano.

Os trabalhos estão sendo coordenados pelo professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Rogério Pereira Bastos.

Por meio da pesquisa intitulada “De um presente fragmentado a um futuro incerto: a conservação dos anuros no Cerrado”, eles querem:

  • verificar como a fragmentação do habitat afeta os padrões locais de diversidades;
  • avaliar se locais mais preservados são mais diversos e ricos (com mais espécies) que locais alterados;
  • monitorar acusticamente os anuros encontrados em corpos d’água que se diferenciam no grau de conservação;
  • verificar que anuros encontrados em lagoas e brejos próximos a plantações apresentam mais danos genéticos e/ou mais alterações morfológicas; verificar como agrotóxicos interferem em girinos (por meio de bioensaios);
  • e, por fim, divulgar o conhecimento científico obtido para envolver a sociedade em geral para a conscientização da importância da preservação da espécie.

O projeto foi selecionado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) e conta com fomento do Governo de Goiás, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), no valor de R$ 260 mil.

Para Rogério Bastos, a pesquisa vai gerar informações resultantes de conflitos entre ocupação humana e conservação da biodiversidade que podem colaborar para a elaboração de estratégias de conservação dos anuros do Cerrado e na implantação de planos de manejo.

Segundo o pesquisador, conhecer melhor a história natural/ecologia dos anuros e os vários motivos que ameaçam a biodiversidade do planeta são os caminhos para evitar declínios populacionais.

Entre os motivos que mais ameaçam a biodiversidade, o pesquisador cita a poluição, desmatamento, conversão de vegetação nativa por culturas agrícolas, fragmentação de ambientes, uso excessivo de agrotóxicos.

Casal de Scinax fuscomarginatus. Fotos: arquivo do pesquisador

Por apresentarem pele fina e permeável, os anuros anfíbios são muito sensíveis a alterações tanto do ambiente aquático como do solo e do ar.

De grande importância ecológica, os anfíbios vivem principalmente na transição água-terra, alimentam-se basicamente de insetos e servem de alimentos para outros animais.

São também uma fonte riquíssima em compostos biologicamente ativos, usados em pesquisas farmacológicas e se destacam como um grupo de organismos bioindicadores da qualidade ambiental por serem animais muito sensíveis às alterações do ambiente.

No mundo são conhecidas 8.220 espécies de anfíbios, entre Gymnophiona ou Apoda (cecílias ou cobras-cegas), Caudata ou Urodela (salamandras) e Anura (sapos, rãs e pererecas).

No Brasil há registro de 1.026 espécies, sendo 988 anuros, 33 cecílias e cinco salamandras.

NO CERRADO

No bioma Cerrado ocorrem cerca de 240 espécies de anfíbios anuros.

Essa imensa diversidade, muitas delas endêmicas do Brasil e do Cerrado, aumenta ainda mais a responsabilidade pela conservação da espécie. De extrema importância em termos de biodiversidade, muitas espécies estão ameaçadas de extinção.

Conforme a última Lista Brasileira de Espécies Ameaçadas de Extinção, organizada pelo ICMBio, estão sob algum grau de ameaça, 41 espécies de anuros, sendo que três têm ocorrência no Cerrado. “Infelizmente, a tendência é de aumento do número de espécies ameaçadas de extinção”, lamenta Rogério Bastos.

CARACTERÍSTICAS VARIADAS

Nem todo sapo é verde, nem todos têm hábitos noturnos e nem todos coaxam, existe muita diversidade e complexidade.

Cerca de 90% das espécies anfíbios anuros depositam seus ovos em rios, lagos, lagoas ou brejos, alguns depositam os ovos na água que fica acumulada nas bromélias, em folhas, em ocos de troncos com água e até em ninhos de espumas.

Alguns colocam seus ovos na terra e deles já nascem sapinhos, sem passar pela fase de girinos, conta o pesquisador.

Nesta pesquisa serão avaliados dados obtidos tanto em campo quanto em laboratório. Existe uma extensa lacuna de conhecimento a respeito deste grupo e, uma das metodologias para monitorar as variações populacionais e suas respostas às alterações ambientais é o monitoramento acústico, destaca o professor Rogério Bastos.

COAXOS

As vocalizações (coaxos) são importantes para a pesquisa sobre história natural/ecologia dos anuros.

Rogério Bastos explica que, geralmente, os coaxos são emitidos por machos (normalmente, somente eles vocalizam) e estão ligados diretamente à demarcação de territorialidade e reprodução.

As vocalizações são importantes para o reconhecimento específico (evitam que espécies diferentes se acasalem, formando híbridos), para delimitar a territorialidade (sinalizam para machos da mesma espécie que o espaço já está ocupado) e para a atração de fêmeas na escolha de parceiras (fêmeas selecionam as vocalizações para escolha dos machos mais aptos para a reprodução).

Por meio desse “cantar”, os pesquisadores vão elaborar os sonogramas (gráficos da frequência, em hertz, e pelo tempo) e poderão descrever o comportamento reprodutivo destes animais.

ATÉ MARÇO

Os trabalhos foram iniciados em março de 2018 e a previsão de término é março de 2021, com entrega de relatório em maio.

Os trabalhos de coletas de campo estão praticamente concluídos e o processo de identificação das vocalizações obtidas está sendo realizado, ressalta o professor.

Ele explica que os anuros adultos foram coletados em visitas noturnas, nas quais os pesquisadores vão munidos de lanternas e capturam os animais por coleta manual. Os girinos foram coletados durante o dia com puçá (rede em forma cônica montada em um aro).

Durante uma hora, os pesquisadores passam o puçá no brejo e coletam os girinos. Segundo ele, a equipe já está fazendo a identificação dos girinos coletados e os ensaios ecotoxicológicos em laboratório.

“Os girinos estão sendo avaliados em diferentes concentrações de agrotóxicos. Assim, poderemos definir qual concentração é mais letal para estes animais. Serão analisados aspectos citogenéticos e morfológicos”, explica o professor. Até o final do ano serão realizadas as análises estatísticas.

ESPÉCIES IDENTIFICADAS

Com cerca de 60% do projeto concluídos, os pesquisadores já registraram a ocorrência de 29 espécies de anuros, o que para o coordenador do projeto, é um número significativo.

As atividades de campo aconteceram nos municípios de Rio Verde e Montividiu, que foram escolhidos por apresentarem uma forte atividade agrícola que provoca impactos ambientais como desmatamento e uso de agrotóxicos. Foram monitorados 16 corpos d´água, na maioria, brejos.

O projeto conta com parcerias de pesquisadores da própria UFG, além da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Instituto Federal Goiano (IF Goiano), Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Universidade Autônoma de Madri (UAM) e Universidade Estadual Paulista (Unesp).


Imagem em destaque: fêmea de Leptodactylus labyrinthicus (rã-pimenta). Foto: Jornal da UFG


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