Seu Jorge: aos 68 anos, uma pérola de aluno

Depois de quase 40 anos longe da escola, esse carioca radicado no Paraná voltou aos estudos para concluir o ensino médio e agora não pára: fez teatro, audiovisual e busca mais

Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista) | De Curitiba (PR)

Jorge Noronha.

Carioca, radicado em Curitiba desde 1992, quando se aposentou.

“Seu Jorge”, para os colegas de turma, para os professores, para a equipe pedagógica da escola onde estuda – o Colégio Estadual do Paraná.

Seu Jorge tem 68 anos.

Quase 69: faz aniversário em 22 de fevereiro.

Nasceu em 1950.

O Brasil ainda não tinha sofrido a dor do Maracanazo.

E Seu Jorge estava a chegar ao mundo.

Hoje, virada de 2018 para 2019, Seu Jorge não se cansa de conhecer o mundo.

Pelos estudos.

Depois de praticamente 40 anos longe da escola, Seu Jorge, por meio de um supletivo, concluiu o ensino médio.

Depois, engatou um curso técnico – Técnico em Teatro, duração de três semestres, encerrados em 2017 (foto ao lado).

No Colégio Estadual do Paraná, em Curitiba.

Emendou outro curso, na mesma instituição: o de Técnico em Produção de Áudio e Vídeo.

Que ele terminou, magistralmente, em dezembro de 2018.

(O signatário deste texto é testemunha; Seu Jorge foi seu aluno no curso)

Prepara-se para, em 2019, fazer o Técnico em Informática. Serão mais três semestres. Ou seja, em meados de 2020, já com 70 anos, Seu Jorge estará a se formar em mais um curso.

E depois?

“Continuar estudando. O caminho é estudar. Gosto de estudar tantas coisas”, declarou, em entrevista concedida no fim de dezembro.

Confira a conversa:

QUANDO E ONDE NASCEU
No Rio de Janeiro. Em 22 de fevereiro de 1950. Bairro de Campo Grande. Lá morei. Em 1992, vim para Curitiba.

A ESCOLA, OS ESTUDOS NA INFÂNCIA E JUVENTUDE
Fiz o antigo primário [equivalente ao ensino fundamental I], o ginásio [ensino fundamental II] e depois o colegial, o científico [equivalente ao ensino médio regular]. O primário em escola pública; o ginásio e o colegial em escola particular. Meu pai tinha condições de pagar. Mas não terminei o científico. Fiz o primeiro, o segundo ano. No terceiro ano, já tinha sido reprovado. [É] aquela fase, de namorar, gazetear, matar aula; turminha, grupinho… Fui me prejudicando. Desisti. Já estava com 18 anos, tinha sido dispensado do serviço militar, então era a hora de trabalhar. Naquela época tinha isso: passando a época do alistamento, tinha que procurar serviço, ganhar o próprio dinheiro, ajudar a família.

TRABALHO, CASAMENTO, FILHOS
Fui trabalhar no comércio do bairro de Campo Grande. Como balconista, cartazista, estoquista, depois subgerente. Em 1973, com 23 anos, me casei, e logo tive o primeiro filho, o menino. Aí em 1976 me empreguei na fábrica da Coca-Cola, no bairro de Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Fui conferente dos caminhões, estoquista, encarregado de expedição. E em 1977 nasceu a menina, a caçula. Então não dava mais para estudar. O horário na Coca-Cola não era regular, alternava o horário de entrada, de saída, às vezes trabalhava de manhã, às vezes de noite. Foi assim até 1992, nesse ano me aposentei.

MUDANÇA PARA CURITIBA
Me aposentei e, nessa época, meu filho, que tinha entrada pra Aeronáutica, foi transferido para Curitiba. Aí resolvemos vir todos – ele, eu, minha mulher, e a [filha] caçula. Em Curitiba resolvi voltar a trabalhar no comércio, vendendo móveis. Primeiro na Superlar, depois na Moveleiro – era uma loja forte. A minha mulher começou a trabalhar de agente comunitária de saúde. Fez faculdade de Serviço Social. Passou num concurso para a Prefeitura de Curitiba, para trabalhar como assistente social.

REENCONTRO COM A ESCOLA
Foi depois de muito tempo em Curitiba. Dos anos 2000 para cá [Seu Jorge não se lembrou exatamente do ano] terminei o terceiro ano que faltava para completar o colegial [ensino médio]. Aí vi um informativo no ônibus sobre o curso de [Técnico em] Teatro. Me interessei. Já gostava de teatro, de assistir, então pensei “isso é pra mim”. Fiz. Pensei que ia ser fácil, mas não foi mole não. Terminei em 2017 [o curso é subsequente ao ensino médio, com três semestres de duração]. Mas não quis parar de estudar. Então me inscrevi pro [Técnico em] Produção de Áudio e Vídeo. Agora que terminei, vou fazer o Técnico em Informática. Mas além de fazer esse outro curso quero fazer algo com teatro, ou com cinema. Meu grupo [de trabalho de conclusão de curso de Áudio e Vídeo] tá falando em fazer outro curta-metragem, quero tá nessa… [confira no vídeo abaixo treiler do curta em que Jorge atua]

CONVÍVIO E ROTINA NA ESCOLA
Meus filhos me incentivam muito. E a experiência de vida, com a idade, ajuda. O que dificulta é a memória, que já não funciona tão bem (risos), dificulta na assimilação das matérias. Ajuda muito também o convívio com a galera, com a mocidade… Aprendo muito com esses jovens. É muita troca de informações. Nunca tive problemas [por diferença de idade] com os colegas. Pelo contrário. Sempre me senti muito estimado. A galera me adora. Os professores… Todos me tratam como seu eu fosse uma pérola!

DIFERENÇA ENTRE A JUVENTUDE DE HOJE E A DE 40 ANOS ATRÁS
As informações hoje são muitas e muito rápidas. Se quando eu era jovem tivesse mais informação não tinha largado a escola. Se eu tivesse continuado, teria me formado em muitas coisas. Muitos colegas seguiram. Eu não tinha dificuldade financeira em casa. Mas não havia muito essa cultura de se seguir estudando. O jovem já tinha em mente completar 18 anos e ir trabalhar, não ficar na aba de pai e de mãe, e parava de estudar. Meus filhos não, sempre foram estudiosos. O mais velho fez Direito, Ciências Contábeis. A mais nova, Biologia, e onde ela trabalha ela dá cursos. Eles não param.

CONSELHOS?
Aos mais jovens: tem que estudar. Nunca é demais. Sem estudo não vai acontecer nada. Não se vai a lugar nenhum. Aos mais velhos: é muito bom estudar. É gratificante. Ocupa a mente. Nada de ter vergonha [por causa da idade]. A juventude aceita a gente na normalidade. Sem preconceito. Somos respeitados. Tratam como se fôssemos pais.

Imagem em destaque: Jorge Noronha e a esposa, Élide Maria Alves, no Jardim Botânico, em Curitiba. Acervo pessoal.


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