Bactéria de mangue da Baixada Santista é transformada em plástico biodegradável

Matéria-prima tem potencial para substituir derivados do petróleo e reduzir poluição ambiental; entenda como funciona o processo


Por Júlio Bernardes, do Jornal da USP | De Cubatão (SP)

Nas águas do mangue da Baixada Santista existe uma bactéria chamada Methylopila oligotropha que, para acumular energia, produz grãos microscópicos de reserva na forma de poli-hidroxialcanoatos, ou simplesmente PHAs, um material biodegradável com propriedades similares a alguns tipos de plásticos.

Em pesquisa do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da Universidade de São Paulo (USP), a bactéria foi isolada e cultivada para avaliar o potencial da produção de PHAs em grande escala.

O objetivo é o de aplicar a tecnologia como matéria-prima nas indústrias, com o objetivo de substituir os plásticos produzidos a partir do petróleo, de forma a reduzir a poluição ambiental.

SUBSTITUIÇÃO DOS DERIVADOS DE PETRÓLEO

“Os PHAs são atraentes comercialmente pela possibilidade de serem substitutos para os derivados do petróleo, pois possuem propriedades similares a vários termoplásticos e elastômeros”, aponta ao Jornal da USP a professora Elen Aquino Perpétuo, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista, que coordenou a pesquisa.

Os elastômeros e termoplásticos são dois tipos de plásticos que podem ser moldados e transformados por meio de processos de injeção, extrusão e sopro, de acordo com a temperatura em que são aquecidos.

“A variabilidade da composição dos PHAs determina suas propriedades mecânicas e permite seu uso em diversas aplicações, como na produção de biopolímeros, usados nas áreas de farmácia e medicina para confecção de suturas, implantes e fixações ósseas, sendo absorvidos pelo organismo na mesma escala de tempo em que ocorre a regeneração do tecido.”

LINHAGENS BACTERIANAS

O projeto foi objeto da dissertação de mestrado de Esther Cecília Nunes da Silva, no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Biotecnologia da USP.

Na pesquisa, que procurava identificar linhagens bacterianas produtoras de materiais de origem natural como os PHAs, a bactéria Methylopila oligotropha foi isolada do mangue da Baixada Santista, no território do município de Cubatão, por meio da coleta de amostras no próprio local.

“Posteriormente, as amostras passaram por um processo de enriquecimento seletivo, onde somente o metanol foi adicionado como fonte de carbono”, explica a professora. “Assim, foi possível transferir uma parte desse cultivo para uma placa de Petri, a fim de isolar colônias bacterianas, para posterior identificação molecular.”

De acordo com Elen, já existiam alguns relatos sobre a possibilidade da Methylopila oligotropha acumular PHB, um tipo de PHA.

“No entanto, a grande novidade desta pesquisa foi verificar e quantificar a capacidade desta bactéria em produzir, além de PHB, também o copolímero PHB-HV, que apresenta melhores propriedades mecânicas, pois é menos cristalino e mais flexível, facilitando o seu processamento industrial”, detalha a pesquisadora.

COMO OCORRE A PRODUÇÃO

Os pesquisadores analisaram o conteúdo interno da bactéria, na forma de grânulos, que indicavam a produção de PHB. “A produção de PHAs por bactérias, de modo geral, ocorre em cultivos com excesso de carbono e deficiência de algum nutriente, como, por exemplo, nitrogênio, fósforo e potássio”, afirma a professora.

“Especificamente, a indução do PHB-HV foi feita a partir do cultivo bacteriano em excesso de fonte de carbono, no caso, metanol, e limitação do nitrogênio, além da adição de um co-substrato, o ácido valérico.”

ESCALONAMENTO E POLÍTICA PÚBLICA

Segundo Elen, para chegar à produção industrial de PHAs, é necessário que haja estudo de escalonamento.

“Há somente uma empresa no Brasil que produzia PHB microbiano, mas hoje trabalha somente sob demanda e ainda assim toda a produção é exportada”, ressalta. “Tudo isso porque o PHB ainda tem um custo elevado para o mercado interno.”

Ela acrescenta: “No entanto, para além do escalonamento, é também necessário que haja incentivo fiscal e políticas públicas voltadas para a diminuição do uso de plásticos derivados de petróleo, principalmente aqueles de ‘uso único’”

SOBRE O PROJETO

O projeto foi desenvolvido no Bio4Tec Lab do Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema) da Escola Politécnica (Poli) da USP, em Cubatão, e teve apoio do Research Center for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), um centro de pesquisa em engenharia (CPE) que é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com patrocínio da Shell, através de recursos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Coordenado pelo professor Júlio Meneghini e sediado na Escola Politécnica (Poli) da USP, o RCGI conta com atuação de pesquisadores de várias universidades nacionais e internacionais.

Mais informações: e-mail elen.aquino@unifesp.br, com a professora Elen Aquino Perpétuo.


Imagem em destaque: reprodução de imagem da bactéria, e registro de mangue em Cubatão. Foto: Jornal da USP




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