Que tal o cooperativismo no “novo normal”?

Chicão, do setor de produção do MST, explica como as atividades econômicas e sociais em regime de cooperativa são alicerces para um desenvolvimento mais sustentável e solidário


Por Luciana G. Console, da Página do MST | De São Paulo (SP)

Todos os anos, no primeiro sábado de julho, a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), organização fundada em Londres em 1895, celebra o Dia Internacional do Cooperativismo. A data é uma forma de confraternização e homenagem aos trabalhadores ligados a este modelo econômico de produção que enaltece a solidariedade e a distribuição de renda.

Neste ano, o tema da data foi “Cooperativas para a Ação Climática”.

O conceito de cooperativismo é carregado de valores como responsabilidade, ajuda mútua, equidade, democracia e solidariedade e é justamente neste modelo econômico que atua o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

É o que conta, em entrevista, Francisco Dal Chiavon (Chicão), do setor de produção do MST e vice presidente da União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias (Unicopas).

Para ele, “A classe trabalhadora sempre esteve ligada à solidariedade. Quem os individualizou foi o modo de produção capitalista”.

Confira:

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Página do MST | Como você definiria o que é cooperativismo?

Chicão | No nosso entender, a cooperativa se define como um grande instrumento de organização social político e cultural da classe trabalhadora. Podemos buscar no histórico do cooperativismo, embora a atividade legal internacional tem início no ano de 1844 na Inglaterra. Temos dados históricos de que no Brasil, em 1610, os padres jesuítas já iniciaram um processo de criação de cooperativas. Elas tinham alguns princípios como solidariedade, bem estar do ser humano e sua família e auxílio mútuo e tinha muito um viés cristão. Então, para nós do MST, a cooperativa é um instrumento importante de organização econômica e hoje em dia se faz necessário que as cooperativas sejam esse instrumento dentro dos assentamentos de Reforma Agrária para auxiliar no comércio e na agroindustrialização dos produtos agrícolas e também na organização social e política. É uma cultura do nosso povo, de se traduzir isso em cooperativas, principalmente no meio rural. É uma forma de organização importante e um instrumento de melhoria de vida da classe trabalhadora.

Qual a importância do cooperativismo para a organização e luta camponesa?

Historicamente, os camponeses tiveram, principalmente no Brasil, uma dificuldade de se organizar enquanto classe, fundamentalmente por serem ignorados pelas elites. Nós tivemos basicamente duas formas de organização camponesa que vieram das suas origens. Nós temos os descendentes de origem europeia, por conta da principal migração após 1870, então eles trouxeram para cá essa forma de organização, principalmente da pequena agricultura, pois na Europa já existiam cooperativas. Nós temos também os de origem africana e os indígenas. Eles tem uma outra forma de organização que nós entendemos como uma cooperação. Você encontra ainda hoje, apesar de todo abandono feito pelo Estado às áreas quilombolas, regiões que ainda mantém uma forma de organização que é semelhante à cooperativa, que é uma organização comunitária. Os indígenas que vivem em suas tribos também é uma forma de organização cooperada. Então, historicamente, a classe trabalhadora, a classe pobre, sempre esteve ligada à solidariedade entre eles, de grupo. Quem os individualizou foi o modo de produção capitalista, que fez com que se as relações fossem individualizadas.

Mas ainda se mantém muita coisa no nosso meio e hoje, nós entendemos que a organização das cooperativas no meio rural é fundamental no contexto brasileiro, onde o agronegócio se organizou em grandes agroindústrias para extorquir e explorar ainda mais os trabalhadores na produção da matéria prima. Então, a cooperativa é um meio para organizar melhor os trabalhadores rurais.

Como as cooperativas se relacionam com a Reforma Agrária?

Nós temos hoje, dentro do MST, uma grande missão de criar nos assentamentos o que nós chamamos de Reforma Agrária Popular e as cooperativas têm um papel fundamental nisso, principalmente quando ela se torna esse instrumento de organização social dentro dos assentamentos. Nós entendemos que a cooperação é mais abrangente que a própria cooperativa, então trabalhamos muito para desenvolver formas múltiplas de cooperação dentro dos assentamentos. Entendemos que não é possível ter viabilidade, tanto econômica como política e social, com um assentado individual. Além disso, a cooperativa tem um papel de desenvolver a indústria e o comércio dos produtos dos assentamentos, então temos inúmeras agroindústrias na área do cacau, arroz, leite e assim vai em outras atividades também como a suinocultura, no que se refere na organização da produção.

Em relação ao meio ambiente, como a produção camponesa em cooperativas pode contribuir?

A cooperativa tem um papel de construir um novo sistema de produção agroecológica. Nós entendemos que essas cooperativas têm que avançar nessa linha, de forma a não reproduzir o modelo do agronegócio, para ir construindo um sistema no qual a produção de alimentos, que é a base de nosso trabalho, seja saudável para toda a população. Creio que um ponto importante dentro da Reforma Agrária Popular é a criação de um vínculo político social e econômico com o meio urbano. Então temos que ir, aos poucos, fazendo uma ligação direta dessas nossas cooperativas de produção, nossas feiras, para que possamos levar um produto de melhor qualidade e que as pessoas possam se alimentar adequadamente no meio urbano.

Quantas cooperativas tem no MST? Qual o balanço destes anos de Movimento?

Nós temos hoje, no MST, em torno de 151 cooperativas, número do último levantamento que fizemos em 2018. Nós temos milhares de associações dentro dos nossos assentamentos, mas nós não temos, digamos, controle de quantas são dentro de cada um. Essas cooperativas estão em várias áreas como produção, comércio, cooperativas de crédito de trabalho e centrais de Reforma Agrária. Temos uma estimativa de que em torno de 30% dos assentados estejam em cooperativas. No que se refere ao trabalho mais de cooperação, nós entendemos que em torno de 90% dos assentados tem algum tipo de cooperação, ou via cooperativa mesmo ou via associação ou outras formas, que as vezes é comunitária, grupos informais, etc. Em relação aos produtos da agricultura familiar, temos uma grande produção de feijão, mandioca, café, milho, arroz, aves, suínos, carne bovina e leite.

Nós temos hoje no Brasil assentadas 972.289 famílias, em 9.374 assentamentos e temos 87.978.041 hectares de terra onde estão esses assentamentos. Nós temos em torno de 7 mil cooperativas e dessas, 1600, segundo o IBGE, estão no meio rural e congregam em torno de 181 mil produtores, gerando em torno de um milhão de empregos. No dia 29 de janeiro de 2014, nós organizamos a confederação que chamamos de Unicopas, que reúne as cooperativas dos assentamentos de Reforma Agrária da agricultura familiar, das empresas recuperadas no meio urbano e dos catadores de materiais recicláveis. Então temos a Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil), a Unisol (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários), Unicafes (União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária) e a Unicatadores, na expectativa de criarmos uma organização das cooperativas que estão mais ligadas às atividades da economia solidária dentro do Brasil.

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Imagem em destaque: Chicão. Foto de Luara Dal Chiavon/MST


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