Os superidosos, aqueles que mantêm o desempenho cognitivo de jovens

Estudo da UFMG em pessoas com mais de 75 anos tenta identificar características neurológicas, associadas a grau de escolaridade, que explicariam tal desempenho.


Por Laryssa Campos, do Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG | De Belo Horizonte (MG)

Pessoas acima de 75 anos de idade com desempenho da memória equiparável ao de homens e mulheres 20 anos mais novos são os chamados superidosos.

O fenômeno, que vem sendo estudado há algum tempo em países ricos, agora também é objeto de pesquisas em países em desenvolvimento, em grupos de pessoas de baixa renda e com pouca escolaridade.

Em seu trabalho de mestrado, no Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto, da Faculdade de Medicina da UFMG, Karoline Carvalho Carmona alcançou resultados que indicam associação das características que definem os superidosos com menor frequência de sintomas depressivos.

Karoline analisou os dados do Pietà, projeto de investigação epidemiológica realizado com população de 75 anos de idade ou mais, em Caeté (MG), conduzido por pesquisadores da Faculdade de Medicina.

Ela relata que esses idosos se destacam não apenas pela boa saúde cognitiva, mas por terem características únicas. “Eles têm desempenho melhor em testes de memória em comparação ao de pessoas da mesma faixa etária, e sua capacidade equipara-se à de indivíduos 15 a 20 anos mais jovens – em alguns casos, ainda mais novos”, enfatiza.

CARACTERÍSTICAS CEREBRAIS

O neurologista Paulo Caramelli, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade e orientador do estudo, atribui esses resultados a características cerebrais exclusivas. As pesquisas demonstram diferenças neurobiológicas no cérebro dos indivíduos com envelhecimento bem-sucedido.

“Nessas pessoas existem áreas cerebrais específicas de maior espessura, assim como maior quantidade, nessas áreas, de um determinado subtipo de neurônios”, explica.

Para Karoline Carmona, também neurologista, o estudo é ainda mais relevante porque foi feito no Brasil, país em que a situação educacional é distinta das outras nações em que foram desenvolvidas pesquisas do gênero, e porque possibilita incluir dados sobre o país na literatura internacional especializada no tema.

ESCOLARIDADE

A pesquisadora diz que a maioria das pesquisas sobre esse grupo de pessoas ocorre em países ricos, em que os participantes estudaram durante 15 a 17 anos. No estudo feito na Faculdade de Medicina, foram identificados superidosos com menos de três anos de frequência escolar.

“A média de escolaridade das pessoas pesquisadas por nós é de 2,7 anos, e havia também analfabetos”, informa Karoline. “A presença de indivíduos com tão baixa escolaridade, mas com alto desempenho cognitivo, reforça a participação de determinantes biológicos e genéticos no envelhecimento cerebral bem-sucedido.”

Por outro lado, a pesquisadora enfatiza: “Mas não se pode excluir a importância da vida escolar, porque se trata, provavelmente, de relações multifatoriais”, ressalta a neurologista. De acordo com ela, são necessários novos estudos que sigam essa linha de raciocínio para confirmar ou não a influência da genética.

AUTOESTIMA

Sua pesquisa também identificou que os superidosos apresentam frequência menor de sintomas depressivos, principalmente medo, sensação de inferioridade, de vida vazia e abandono de interesses.

Essa também é uma novidade que deve ser considerada para estudos futuros, segundo Karoline, já que “não há muitas pesquisas mostrando associação entre a ausência dos sintomas depressivos com o envelhecimento cerebral bem-sucedido”.

De acordo com a pesquisadora, os trabalhos, geralmente, demonstram a associação de sintomas depressivos com piora cognitiva em pessoas mais velhas. Cerca de 50% dos idosos com transtorno depressivo apresentam, por exemplo, pequena capacidade de planejamento e execução.

Os indivíduos pesquisados responderam a um questionário socioeconômico e sobre hábitos de vida e foram submetidos a avaliação clínica, neurológica e neuropsicológica.

Aqueles que não apresentaram comprometimento cognitivo realizaram o Teste de Aprendizagem Auditivo-verbal de Rey, para aferição da memória. Esse foi o principal teste utilizado para caracterizar os participantes do estudo como superidosos ou pessoas com envelhecimento cerebral dentro da média.

CRITÉRIOS

De acordo com Karoline Carmona, foram classificados como superidosos os indivíduos que se lembraram de mais de nove palavras, valor esperado para idosos na faixa etária de 60 anos e saudáveis do ponto de vista cognitivo.

Aos indivíduos que lembraram número menor de palavras foi atribuído envelhecimento cerebral habitual.

Para o professor Paulo Caramelli, o estudo pode contribuir para a melhor compreensão do envelhecimento cerebral, uma vez que deixa de relacionar adoecimento ao avanço da idade: “Há uma mudança de conceito. Muitas vezes, considera-se que o envelhecimento é necessariamente acompanhado de declínio cognitivo, mas há pessoas que mantêm desempenho excelente”, conclui.


Imagem em destaque: arte de Sérgio Margalhães / Acervo Fiocruz


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