Patrimônio do povo de Londrina, único no Brasil, está ameaçado

Última companhia pública a operar telecomunicações no país, Sercomtel corre o risco de ser vendida. Mas há resistência

 

Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista) | De Londrina (PR)
Parceria Rede Macuco + Brasil de Fato

Funcionários, lideranças sociais e políticas tentam reverter o processo de entrega de um dos patrimônios públicos mais preciosos do Brasil, a Sercomtel – única companhia pública a operar telecomunicações no país, que tem a Prefeitura de Londrina como acionista majoritária.

Um grupo de técnicos e profissionais da empresa entra nesta semana com ação popular na Vara de Fazenda Pública de Londrina, contra a venda da Sercomtel.

Ao mesmo tempo, busca apresentar à população proposta de um novo plano de negócios e gestão da companhia, para reafirmar o que, no fundo, a cidade já sabe: que a Sercomtel é viável.

No último dia 7, em uma parceria com o Brasil de Fato (edição Paraná), a Rede Macuco esteve em Londrina para ouvir a posição dos que lutam contra a privatização da Sercomtel.

Menos de 24 horas antes, a Câmara de Vereadores tinha aprovado, em segundo turno, em regime de urgência, o projeto de lei enviado pelo prefeito Marcelo Belinati (PP) e que autoriza a administração municipal se desfazer da empresa.

SOCIEDADE ALHEIA

Encontramos uma sociedade que ficou para escanteio nas discussões, apesar da importância que a marca Sercomtel tem para a cidade, do reconhecimento das autoridades e lideranças das mais variadas correntes partidárias do papel estratégico da companhia para o desenvolvimento não só de Londrina como do Norte do Paraná, bem como da aprovação, pelos clientes, dos serviços prestados pela empresa pública.

Nas ruas, nas rodas de conversa, nenhum sinal de protesto, mobilização – era como se o futuro de Londrina não estivesse em jogo.

Uma das lideranças políticas mais representativas da região há mais de três décadas, a professora de História aposentada Elza Correia não esconde a indignação e o inconformismo com o que está ocorrendo.

Elza Correia. Foto de Devanir Parra/Câmara de Londrina

“É a morte da Sercomtel, que está sendo enterrada como indigente”, afirma ela, que já foi vereadora duas vezes (1997-2002; 2013-2015), deputada estadual (2003-2006) e coordenadora da Região Metropolitana de Londrina (2007-2010), função do Governo do Estado.

Elza Correia emenda: “A Sercomtel sempre foi a galinha dos ovos de ouro, fizeram belas omeletes com esses ovos, e agora matam a galinha.”

Para Elza Correia, tanto a venda como a apatia da sociedade local são o retrato destes tempos de destruição do patrimônio público e da participação popular nas decisões políticas, no Brasil.  “É a política do entreguismo no país acontecendo aqui em Londrina também.”

A QUEM INTERESSA?

Único vereador a votar contra privatização nos dois turnos de votação pelo plenário, Tio Douglas (PTB) mostra-se intrigado com a pressa da Câmara – o projeto foi posto em regime de urgência na quinta, dia 6, para ser votado naquela noite. “A quem interessa essa urgência? Existem grupos e interesse sobre a Sercomtel que não sabemos exatamente quem são.”

 

O projeto de lei foi enviado pela Prefeitura à Câmara em abril deste ano. A alegação é de que a privatização seria a única saída para que a Sercomtel recebesse aportes financeiros que saneassem suas contas, o que evitaria a caducidade da concessão para operar telefonia fixa e da autorização para operar telefonia móvel e internet banda larga.

Processo de caducidade nesse sentido foi aberto pela Anatel em 2017. Atualmente, o processo está suspenso – a Anatel deu prazo até julho para que a Sercomtel apresentasse uma proposta de solução, e assim analisá-la.

O vereador Tio Douglas reclama da superficialidade do projeto e do pouco debate com o povo em torno da proposta. “Não foram apresentados valores financeiros. Não tinha documentação referente aos processos de caducidade e cassação aberto pela Anatel, para que pudéssemos discutir. O debate deveria ter sido mais aprofundado.”

O petebista classifica como “desprezo à bagagem técnica e profissional” dos quadros da Sercomtel a venda da empresa, dado o risco de demissão de funcionários. E lamenta a oportunidade que Londrina vai perder de ter em suas mãos instrumentos para o desenvolvimento. “A maior ferramenta do mundo hoje é a tecnologia. Londrina vai se desfazer dessa ferramenta que possui.”

SEM O POVO

A ex-parlamentar Elza Correia faz coro às queixas. Aponta que as audiências públicas foram pouco divulgadas, que a maioria da população não está sendo devidamente informada sobre o projeto e sobre o que se passa com a Sercomtel, e que por isso não está se dando conta do que representa a venda da companhia.

“As audiências públicas só foram avisadas na internet; se fosse uma gestão realmente democrática, tinha de ter carro de som chamando a população para participar. Não teve transparência, não teve uma auditoria profunda [nas contas da Sercomtel], a história está contada pela metade.”

Na loja da Sercomtel no Centro de Londrina, clientes da companhia ouvidos pela Rede Macuco/Brasil de Fato contaram desconhecer o que vai ocorrer com a empresa.

“Ouvi falar alguma coisa, mas não sei bem, não deu para acompanhar”, declarou Ana Rosa Gomes, acompanhada da filha, de 15 anos. Elas têm um plano de banda larga em casa, e consideram boa a internet oferecida, apesar de oscilações com o mau tempo.

Por sua vez, Júlio César Santiago, ao lado da mulher, Ana Jaqueline, disse temer que a privatização torne o serviço mais caro. Ambos têm celular e internet banda larga da Sercomtel, e aprovam a qualidade do serviço.

PIONEIRISMO

A origem da Sercomtel remonta a 1964, quando foi criado o Departamento de Serviços Telefônicos de Londrina. No ano seguinte, é transformado em autarquia, adotando o nome de Sercomtel (Serviço de Comunicações Telefônicas). Em 1968, inicia as operações de 5,2 mil linhas telefônicas.

Nos anos 90, foi transformada em Sociedade Anônima (SA), medida que, conforme salienta o prefeito à época, Luiz Eduardo Cheida, foi fundamental para que a empresa se mantivesse, e sob o controle público.

Naquela década, mais evidências do seu pioneirismo: foi a primeira do interior do Brasil e a quarta do país a implantar telefonia celular. Depois, foi a primeira da América Latina a implantar telefonia celular com tecnologia digital.

É essa expertise acumulada que faz com que funcionários da empresa pública sejam contrários à entrega desse patrimônio à iniciativa privada. Dois advogados do quadro da Sercomtel, ouvidos pela Rede Macuco/Brasil de Fato – Carlos Griggio e Danilo Men de Oliveira -, ainda tentam reverter a privatização, apresentando ao prefeito Marcelo Belinati um plano de investimentos cabível de ser assumido pela Prefeitura, acionista majoritária (54,5%) e/ou pela Copel, a empresa pública de energia do Estado do Paraná, que tem 45% da Sercomtel.

O município e a Copel poderiam fazer fazer aportes na empresa para investimentos em fibra ótica, os quais representaria ampliação de serviços ofertados aos clientes e aumento no faturamento da empresa, dizem os advogados. “O que falta é vontade política”, considera Oliveira.

ANATEL FORÇA PRIVATIZAÇÃO

Na avaliação de Carlos Griggio, os processos de caducidade e a cassação abertos pela Anatel estão sendo utilizados como pressão para que a Sercomtel seja vendida – sem que a Prefeitura e Câmara se contraponham e coloquem os interesses estratégicos do município à frente. “A Anatel está forçando a barra para privatizar.”

Uma ação popular, ingressada por Danilo Men de Oliveira depois que o projeto de lei foi aprovado em primeiro turno pela Câmara, tentou suspender a tramitação, argumentando inconsistência da proposta. O pedido, no entanto, foi negado pelo juiz Marcus Renato Nogueira Garcia (da Vara de Fazenda Pública de Londrina), que alegou não poder interferir no Poder Legislativo.

Com a sanção, pelo prefeito Belinati, do projeto aprovado pelos vereadores, a ação popular será novamente movida, requerendo a interrupção do processo. A falta de uma avaliação dos bens e do valor da Sercomtel e de discussão do projeto com a sociedade são os principais argumentos que sustentam a ação.

FUTURO

Já a reformulação nos negócios e na gestão da Sercomtel proposta pelo grupo, para garantir o futuro da empresa como de propriedade do povo, prevê foco em serviços de internet banda larga por fibra ótica e mudanças no estatuto, de modo a garantir uma gestão profissional da empresa.


Isso abriria caminhos para investimentos, recuperáveis em curto prazo e que garantiriam à Sercomtel sustentabilidade financeira para continuar sendo estratégica para o desenvolvimento do Norte do Paraná, sublinha outra advogado do grupo, Carlos Griggio.

“A Sercomtel tem excelência na qualidade dos serviços. Precisa investir para manter essa qualidade, ter uma gestão mais profissional – cargos como o da presidência precisam ser ocupados por quem vive o setor das telecomunicações”, afirma Men de Oliveira.

“A Sercomtel é viável. Tem o principal, que é uma marca forte. A cidade abrir mão é jogar fora uma oportunidade única”, acrescenta Griggio.

Imagem em destaque: uma das icônicas cabines de telefone da Sercomtel em Londrina. Essa, na rodoviária. Foto: @waasantista


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