Em entrevista em referência ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, escritor vê o idioma como potente; autor relembra ainda as referências brasileiras da infância, como músicas e novelas
Por Felipe de Carvalho, da ONU News | (local não informado)
Ao constatar que São Tomé e Príncipe era o país africano de língua portuguesa cuja história era menos divulgada, o são-tomense Orlando Piedade decidiu “brincar de escrever”.
Hoje um escritor consagrado e premiado, ele afirma que sua jornada literária revelou o potencial da língua portuguesa para falar do passado, “dando alma e voz aos esquecidos”.
O autor de três livros sobre a era colonial e a escravidão no pequeno país insular foi entrevistado no Podcast ONU News como parte da série especial sobre o Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebrado em 5 de maio.
“A língua portuguesa, para além de uma ferramenta, é o nosso território e o nosso espaço. É o nosso território com muito potencial. É o espaço onde a memória se cruza e de várias formas, em várias vertentes. Portanto, é uma língua em que nós podemos passar de extremos com a mesma força. Nós podemos ser dóceis, podemos ser meigos e ao mesmo tempo podemos ser rudes, assertivos e tudo com base na riqueza da língua portuguesa. Portanto, esta dualidade e esta diversidade é um instrumento que tem muita força. Agora, nós temos é que continuar a aceitar a diversidade”.
Piedade explicou que sua obra trata de realidades que se estendem para além de São Tomé e Príncipe e abrangem Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, Angola e Portugal.
Ele contou que para cada um de seus livros realizou pesquisas rigorosas para poder então iniciar o processo criativo de imaginar personagens, modos de vida e interações sociais totalmente baseadas nos fatos históricos.
Um exemplo vem da sua primeira obra, “Amor Proibido”, que retrata a realidade da época, em que uma mulher, mesmo rica, tinha seu patrimônio controlado pelo marido.
A personagem principal, após se tornar viúva, recuperou a posse temporária de sua riqueza, mas teve que se transformar para evitar um novo casamento e escapar de ameaças e tentativas de sequestro.
POESIA E CRÍTICA SOCIAL
O autor também se aventurou na poesia, gênero que considera um desafio.
Ao ser convidado para escrever em uma coletânea, ele decidiu usar sua voz para fazer uma crítica à forma como a sociedade são-tomense trata as mulheres, especialmente as mais velhas, que muitas vezes são excluídas e estigmatizadas como “feiticeiras”, chegando a ser espancadas e mortas.
“Portanto, eu vi naquilo, naquele momento de poesia, uma forma de dar voz a esta gente, uma forma de chamar a atenção da sociedade para o drama que é a vida das pessoas que deram as suas vidas pelas nossas vidas e que estão agora numa fase descendente do seu ciclo de vida e que deviam ser merecedoras de toda a nossa atenção e não propriamente de maus tratos, abandono, esquecimento, vexames, como atualmente acontece”.
A DIVERSIDADE DE EXPRESSÕES
Piedade defendeu que para explorar o grande potencial da língua portuguesa é necessária mais abertura para as diferentes expressões do idioma na produção cultural.
“Felizmente, eu cresci a ver as novelas brasileiras, a ouvir autores brasileiros, a ouvir e a cantar músicas brasileiras e o mesmo com músicas portuguesas, angolanas, moçambicanas e cabo verdianas. E eu cresci com esta versatilidade, com a capacidade de perceber os diferentes estágios, e as diferentes vidas da língua portuguesa, o que, infelizmente, não é verdade, se nós fizermos o movimento inverso, porque nós corremos muitas vezes o risco de não ser não ser percebido quando nós falamos. Por quê? Porque eu acho que ainda temos alguma resistência em aceitar a diversidade e ir atrás da diversidade”.
O autor são-tomense afirma que é preciso perceber a língua portuguesa nas suas diferentes vertentes enquanto “um organismo vivo” e garantir que haja reciprocidade no consumo de todas as variações.
Imagem em destaque: uma mãe ajuda o filho com os trabalhos de casa em São Tomé e Príncipe. Foto da Unicef, por Vincent Tremeau/ divulgação ONU News
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