Papel reciclado no lugar de plástico para o cultivo sustentável de hortaliças

Pesquisadores da Federal de Viçosa desenvolvem técnica eficiente e agroecológica para a oleicultura; confira detalhes


Por Léa Medeiros, da UFV | De Viçosa (MG)

A agricultura familiar é responsável por grande parte da produção de hortaliças no Brasil. Para chegar até a mesa do consumidor fresquinha e saudável, hortaliças como couve, alface, repolho e temperos gastam uma enormidade de água, demandam defensivos químicos que são caros e poluentes, e nem sempre dão lucros favoráveis a quem produz.

Agora, pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) desenvolveram uma técnica que pode ajudar muito a reduzir danos ambientais e ainda aumentar a produtividade da olericultura.

A ideia é substituir o plástico tradicionalmente usado para cobertura dos canteiros por papel reciclado.

As vantagens são muitas e os resultados vão além do controle agroecológico de plantas daninhas.

A técnica também economiza a água que falta em muitas regiões produtoras de hortaliças.

Com a mesma quantidade de água disponível, ainda é possível ampliar a área de produção.

COMO FOI DESENVOLVIDA A TÉCNICA

O trabalho é desenvolvido por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia da UFV e os experimentos foram conduzidos com alface, repolho e cebolinha, com ótimos resultados.

Quando planta um canteiro de hortaliça, o produtor precisa capinar ou aplicar herbicidas para controlar as plantas daninhas que crescem junto com as hortaliças.

A capina é trabalhosa e os agroquímicos são indesejáveis, sobretudo para produtos que são consumidos frescos e crus.

Por isso, os produtores costumam forrar o canteiro com filmes de polietileno, um plástico branco ou preto com furos por onde as mudar vão crescer. O restante do canteiro, fica coberto pelo plástico, impedindo assim o desenvolvimento das plantas daninhas que competem pelos nutrientes, luz e água, prejudicando a produtividade.

O uso do papel reciclado para a cobertura resolve muitos desses problemas, com vantagens econômicas e ambientais.

O trabalho, que já gerou pelo menos três dissertações de mestrado, é coordenado pelo professor Francisco Freitas, do Departamento de Agronomia. Ele esclarece que, nesta modalidade de cultivo, as hortaliças são irrigadas por um sistema de gotejamento, ou seja, as mangueiras com orifícios ficam abaixo da cobertura plástica molhando o solo cultivado com quantidade controlada de água.

O problema é que o plástico, sobretudo o preto, altera a temperatura do solo, estressando as plantas e comprometendo seu desenvolvimento. O solo mais quente também aumenta o consumo de água. Sem cobertura a situação é ainda pior porque o aquecimento do solo, exposto ao sol e ao vento, aumenta a perda de água pela evaporação e eleva de 20 a 50% o consumo de água.

A cobertura de papel, segundo os pesquisadores reduz este aquecimento em relação ao plástico.

Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores montaram experimentos comparativos cultivando, numa mesma área, canteiros de alface com e sem capina, com plástico preto e com o papel reciclado. Fizeram o mesmo com outras culturas e colocaram, em todos, sensores de temperatura no solo. A conclusão superou as expectativas.

No verão, quando o calor já é intenso e agride as plantas, a variação de temperatura do solo abaixo do plástico preto chegou a ser até 8ºC maior que no canteiro que usou papel. Sem cobertura, a elevação da temperatura foi de até 3ºC em relação ao solo coberto com papel.

Plantio de alface com terreno coberto por papel reciclado. Foto: UFV

O experimento também revelou que a alface cultivada com papel reciclado tinha o dobro do peso do cultivado sem capina e 30% mais que o cultivado sobre o plástico.

As plantas rendem mais, mas a eficiência no uso de água é ainda mais significativa. Para produzir um quilo de alface sem capina, o produtor gasta 43 litros de água.  Com capina, 28 litros; com plástico, 21 litros e com papel reciclado, apenas 18 litros.

“Isso mostra que, se o problema do produtor for disponibilidade de água, como é muito comum acontecer, ele poderá ampliar em quase 40% a área de produção gastando a mesma quantia de água, se usar o papel reciclado”, explica o professor Francisco.

Em uma mesma área, o volume de água economizado durante um mês, ou seja, o ciclo que vai do plantio à colheita da alface, seria suficiente para abastecer aproximadamente 25 famílias com quatro pessoas, levando-se em conta os parâmetros ideais preconizados pela ONU.

“Essa economia é ainda mais importante em regiões como o semiárido, onde a olericultura é forte e a disponibilidade de água é menor”, diz Francisco Freitas.

DÚVIDAS

Mas o papel reciclado não rasga com a umidade da irrigação ou das chuvas?

Os pesquisadores testaram muitos tipos e concluíram que o ideal é um papel semelhante ao usado nas embalagens de cimento.

Ele é resistente ao rasgo o suficiente para uma safra de alface e repolho e para até dois cortes de cebolinha, o primeiro aos 60 dias e mais uma rebrota 30 dias após.

Agora, a equipe quer quantificar a economia ambiental de se evitar o plástico na cobertura das hortaliças.

A legislação determina que os produtores precisam recolher ou reciclar o plástico usado nas coberturas, mas, segundo os pesquisadores, na prática, muitos apenas revolvem o plástico junto com o solo.

“Ao contrário do plástico, o papel é biodegradável e, no caso da nossa pesquisa, nós já usamos papel reciclado, gerando uma economia importante para o meio ambiente”, lembra o professor da UFV.

Os resultados estão prontos para serem mostrados aos produtores rurais, mas a pandemia dificultou o trabalho de extensão desta técnica. “Acreditamos que a economia de água e de herbicidas será importante para os agricultores familiares que vivem da olericultura, para as regiões produtoras e para o meio ambiente”, afirma o pesquisador.

A pesquisa foi realizada com apoio da Capes, CNPq e Fapemig

Equipe de pesquisadores:

Prof. Francisco Cláudio Lopes de Freitas – Departamento de Agronomia UFV
Prof. Caetano Marciano de Souza – Prof. Aposentado – Departamento de Agronomia UFV
Prof. Carlos Nick – Departamento de Agronomia UFV
Agnaldo Roberto de Jesus Freitas – Mestrado em Fitotecnia UFV
Maria Carolina Gomes Paiva – Doutoranda em Fitotecnia UFV
Sara Rafaela Salazar Matias – Mestrado em Fitotecnia UFV
Cristiane Nunes da Conceição – Mestranda em Fitotecnia UFV


Imagem em destaque: os experimentos comparativos com papel reciclado, plástico e solo descoberto. Foto: UFV



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