Lenir Appes e o caldeirão de referências em suas músicas

Do ioga à peculiaridade do canto; da Índia, Oriente Médio e Norte de África às raízes brasileiras. Um pouquinho de tudo está na obra dessa artista da Baixada Santista.


Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista) | De Curitiba (PR)

Chegou do leitor Milton Salgado a sugestão para que escutássemos e conversássemos com Lenir Appes, cantora e compositora radicada na Baixada Santista.

A sugestão veio acompanhada das melhores referências: Lenir Appes, não bastasse o talento e competência, tem, sem exagero, um estilo próprio de escrever, compor e cantar música brasileira.

Não que duvidássemos, mas fomos referendar. E Milton Salgado tinha razão.

Acompanhamos uma apresentação de Lenir Appes em julho último, num sábado de noite estrelada, na Concha Acústica, Praia do Gonzaga, em Santos. E iniciamos ali a troca de contatos que resultou na conversa que reproduzimos a seguir, temperada por vídeos que ilustram um pouco do trabalho da artista.

A ligação de Lenir Appes com a música vem desde que era criança – com menos de 14 anos

Adolescente, não bastasse ser a única menina da primeira turma do curso de radialista no Senac Santos, logo começou a trabalhar em emissoras de rádio da cidade e região.

Também é dessa fase da vida o ingresso no ioga, a curiosidade pela cultura oriental, interesses que levariam Lenir Appes a estudar na Índia, vivenciar o Norte da África, o Oriente Médio, entre outras incursões.

Todas essas experiências são fonte de criatividade para Lenir Appes, e estão perceptíveis em sua obra.

Bom, mas vamos às palavras da própria Lenir Appes:

A LIGAÇÃO COM A MÚSICA DESDE PEQUENA

Foi algo que partiu dela própria, conforme afirma, ainda que, ressalta a artista, em casa sempre tenha tido contato com a escrita – a mãe, Idalina, era escritora. Além da relação com a palavra, experimentou dança, teatro. Mas foi na música que se encontrou mesmo. Ouça a narrativa de Lenir Appes:

Aqui, a cantora e compositora lembra de uma atuação na peça “Saltimbancos”:

E do papel da escola na formação também:

NO RÁDIO

Lenir Appes lembra que sempre foi “fissurada” por rádio, sempre teve vontade de trabalhar nesse meio de comunicação.
“Já brincava, desde pequena, de fazer locução. Sabe isso de pegar latinha, colocar um barbante, para a transmissão do áudio?, fazia isso”. Fez curso de radialista do Senac Santos; foi da primeira turma desse curso, três décadas atrás, e única menina. Logo começou a trabalhar em emissoras. “Quando abriu a 95FM, no Gonzaga, em Santos, entrei, e fazendo cobertura política – imagina, eu era adolescente ainda, e fazendo cobertura política! Depois, por dois anos tinha um programa meu. E [na sequência] fui para Porto Alegre. Trabalhei na Guaíba, na Cultura [do Rio Grande do Sul]. Voltei em 1998 para a Baixada Santista. Gosto. Sempre tive com o rádio um retorno muito especial. Tenho vontade de voltar a fazer programas de rádio, de forma contínua.” Lenir Appes confirma que enfrentou machismo nesses ambientes de trabalho, e considera que hoje esse cenário mudou para melhor, com mais espaço para mulher, a quem antes, em regra, havia vez apenas para vinhetas, enquanto a locução principal ficava a cargo de profissionais homens. Lenir exerceu a função de radialista, que vai além da locução – incluir montar programação, controlar a mesa, editar. “Venho dessa escola”.

VIDA NA ÍNDIA, ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA

As vivências no outro lado do mundo se deram com Lenir Appes adulta, todavia a ligação com a cultura oriental começou na adolescência. A cantora e compositora relembra o início e o desenvolvimento na ioga, e as impressões na Índia, principalmente:

“A história com a Índia me influencia bastante. Eu tava com 19, 20 anos, foi nos anos 80, a primeira vez. Eu já tinha essa história com a ioga na época da puberdade, entre 11 e 13 anos, lembro que ganhei um mesmo livro no mesmo dia de pessoas diferentes – livro do [Carlos] Castanheda. Quando eu tinha 15 anos, já era professora de ioga. Tive contato com pessoal da Anistia Internacional, com tibetanos, monges, com Daniel Oliveira, aqui de Santos, já falecido. Ele me falou “menina, não tenho mais o que te ensinar, você tem que ir pra São Paulo”. Durante dois, três anos tinha aula uma vez por semana com Professor Jackson, lá em São Paulo, um grupo pequeno, tinha uma professora, Elza Santana, 18 anos na época, que hoje tem uma academia [de ioga] ali na Ana Costa [Santos], e mais outros dois professores, 30 anos, de taekwondo. Fiz formação também com Derose.
Cheguei a ganhar bolsa de dança indiana em Montevidéu. Fui com tudo pra filosofia da ioga. Fui muito acolhida. Eram pouquíssimos grupos, contavam-se nos dedos os que tinham em São Paulo capital, quanto mais no resto do país. Era algo, pros padrões, muito fora da caixinha. A música, a dança, os hábitos indianos me influenciam demais, por eu ser filha de pai árabe; essa influência oriental sempre foi muito forte, sempre gostei de trabalhar com os instrumentos – alaúde, derbak. A influência especial dos pranayamas, dos exercícios respiratórios de captação de energia… fui curtindo pra caraca! Aí fui conhecendo reflexologia, sting, acupuntura, fui me especializando – e cantando, com a bolsa na Fundação das Artes. O canto devocional, que é diferente do erudito, do clássico oriental. Uma influência muito grande no comportamento, e principalmente pelos exercícios respiratórios, que me dão toda uma saúde, pro aparelho respiratório. Saber brincar com o ar. Eu brinco. E as divindades [indianas], até hoje muito fortes na minha vida”.

O TRABALHO HOJE

Lenir Appes aborda principalmente como se dá seu processo criativo, do qual resultaram músicas as quais têm destacado em suas apresentações e nas mídias digitais. “Tenho músicas mais recentes e outras de mais de dez anos. Tô tendo oportunidade de trazer essas músicas. Tô cada vez mais fascinada pela música autoral”.
Confira:

ARTE E POLÍTICA

Perguntada que limite – se é que há – entre arte e posicionamento político, ainda mais neste contexto em que estamos vivenciando crise política, crise econômica, retrocessos nos direitos, Lenir Appes considera importante o artista se posicionar, ainda que não partidariamente, mas em torno de causas. “Se você fica o tempo todo em silêncio, você é conivente com o inimigo. Aí não dá”. Por outro lado, avalia ela, o limite entre arte e política não está numa métrica padrão. “É [uma decisão] muito pessoal. O limite cada um escolhe”. A cantora e compositora questiona, porém, quando as manifestações políticas de artistas se dão mais por um ir no embalo. “Para mim não serve ‘efeito dominó’. Quando começa a ser um hábito, como que para ser ‘aceito’ tem de fazer [algum tipo de manifestação]”.

AS CRÍTICAS ÀS LEIS DE INCENTIVO

Historicamente, artistas, produtores culturais independentes sempre tiveram restrições às leis de incentivo vigentes (Lei Rouanet e congêneres). Tais restrições, no entanto, não têm a ver com os ataques que esses mecanismos vêm sofrendo do grupo político que está no poder da República. Indagamos a cantora e compositora se é possível conciliar resistência a esse ataque sem ao mesmo tempo deixar de marcar posição contra os vícios que esses mecanismos carregavam. Lenir Appes demonstrou ter restrições à lógica desses mecanismos, por concentrarem os estímulos a quem menos precisa, ao passo que toda uma cadeia produtiva das atividades culturais fica à margem. A artista vê um desgaste gradativo no sistema político brasileiro, que culminou com a chegada ao poder do pensamento representado por Jair Bolsonaro. “É uma luta por vez, mas ao mesmo tempo tudo junto. Mas diante de ataques, bater de frente nem toda vez é viável. Recuar nem sempre é covardia, é inteligência”.

A cantora e compositora avalia que a relação entre meio político e meio artístico está sujeita à atuação do que ela chama de “sociopatas narcisistas abusivos”, figuras com poder que, num primeiro contato, “bombardeiam elogios, elevando a vítima”, fazendo com que esta tenha confiança naquele. Quando essa confiança e envolvimento estão assegurados, o “sociopata narcisista abusivo” inicia o processo de cercar a vítima, “colocar a pessoa para baixo”, mas esta, envolvida, começa ela a se sentir culpada, sem perceber o jogo em que foi envolvida. “O sociopata narcisista abusivo do meio político”, observa a artista, tem relações com pessoas de diversas instâncias e esferas, de modo que mantém em seu redor esse círculo de poder. “É um perigo pessoas [espiritualmente, moralmente] inferiores ocupando cargos de autoridade”.

Lenir Appes vem se dedicando a novos projetos, como o “Canto de Odin”,pelo qual dá dicas e presta atendimento sobre saúde da voz.

Um perfil no instagram entrou no ar em 18 de novembro, segunda-feira: @canto_de_odin.

Pelo perfil pessoal da cantora e compositora (@lenir.appes), é possível acompanhar a agenda de apresentações.


Imagem em destaque: Lenir Appes em show na Concha Acústica, em Santos. Divulgação.


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