Por que não estão em uma casa; como fazem para comer, tomar banho, ir ao banheiro; como sobrevivem os moradores vivendo ao léu nas cidades brasileiras
Da Agência Senado* | De Brasília (DF)
É consenso entre estudiosos que crises econômicas graves e prolongadas estimulam o aumento da população sem emprego e moradia disposta a ocupar calçadas, viadutos e praças. Especialmente quando há muita gente abaixo da linha da pobreza e as políticas de assistência e promoção social são inexistentes ou falhas.
Num país como o Brasil, abatido por crises econômicas e políticas públicas frágeis, com mais de 13 milhões de desempregados e 54,8 milhões de cidadãos dispondo de R$ 406 ou menos mensais, a impressão que se tem é que a chamada população em situação de rua só vem aumentando.
Os levantamentos estatísticos desse problema são esporádicos, localizados e obedecem a metodologias distintas entre si, além de pouco consolidadas. [Os estudos mais amplos foram feitos mais de dez anos atrás, durante o Governo Lula.]
A primeira e única pesquisa ampla sobre a população de rua foi realizada entre 2007 e 2008 pelo Ministério do Desenvolvimento Social (agora transformado em secretaria vinculada ao Ministério da Cidadania), mesmo assim não atingiu todo o território nacional.
Avaliou um público composto por pessoas com 18 anos completos ou mais e abrangeu 71 cidades, sendo 48 municípios com mais de 300 mil habitantes e 23 capitais. Foram detectados 31,9 mil adultos em situação de rua. Somando-se os resultados de pesquisas feitas à parte em São Paulo, Belo Horizonte e Recife, o contingente se elevou a 44 mil.
Graças a esse estudo, foi possível traçar um perfil heterogêneo da população de rua levando em conta idade, gênero, cor da pele, formação escolar, razões da ida para rua.
Constatou-se, entre outros aspectos, que 69,6% deles dormem na rua, 22,1% em albergues e 8,3% alternam entre a rua e os albergues.
Quanto à alimentação, 79,6% conseguem fazer pelo menos uma refeição por dia, mas apenas 27,4% compram comida com o próprio dinheiro.
Na ausência de averiguações confiáveis sobre quantos são e como vivem esses brasileiros, torna-se mais difícil elaborar e implementar medidas que os devolvam à plena cidadania, advertem, por exemplo, os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Flávio Arns (Rede-PR).
Paim menciona um estudo de 2016, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir de dados disponibilizados por 1.924 municípios via Censo do Sistema Único de Assistência Social (Censo Suas), que estima em cerca de 102 mil pessoas a população de rua em 2016:
“Esse número vai aumentar, ainda mais depois da reforma trabalhista e da anunciada reforma da Previdência. Tem que traçar um perfil claro e oferecer tratamento para muita gente drogada nas ruas, encaminhar as pessoas para serviços sociais, criar programas de habitação, como aquele do aluguel social, capacitar as pessoas com o mínimo de preparação para entrarem no mercado de trabalho. Uma das grandes preocupações é que essas pessoas desesperadas caiam nas mãos do tráfico.”
A tão sonhada inclusão da população de rua no censo do IBGE deve ficar para depois de 2020, por dois motivos básicos: por um lado, o órgão está enfrentando dificuldades até para realizar o censo dos brasileiros domiciliados, dadas as restrições orçamentárias atuais. Por outro, os técnicos do IBGE quebram a cabeça para chegar a uma metodologia capaz de medir de modo confiável os contornos de um grupo que tem localização incerta, é encontrável mais no período noturno e requer abordagem especializada de uma equipe em razão do número de usuários de entorpecentes e com transtornos mentais. Tais dificuldades logísticas poderiam atrasar a pesquisa maior, que pode ser feita por 200 mil recenseadores em 70 milhões de domicílios e num espaço de três a cinco meses.
De acordo com a assessoria de imprensa do instituto, o assunto ainda está sendo debatido tecnicamente, mas o que se desenha, além dos levantamentos que são usuais em moradias coletivas, como os albergues, é o mapeamento das zonas urbanas com a presença da população de rua, mas sem a contagem dos indivíduos.
Essa diretriz frustra os que sonhavam com um avanço das estatísticas sobre aquele que é o grupo mais excluído da sociedade e visto por ela como um perigo constante. Até porque o IBGE está sendo instado judicialmente a fazer esse levantamento. A ação foi movida na Justiça Federal do Rio de Janeiro pela Defensoria Pública da União, que ganhou uma primeira sentença favorável.
“Nós entendemos a complexidade de se fazer esse censo e estamos debatendo caminhos com o IBGE, mas o fato é que a população de rua não pode continuar excluída. Uma metodologia tem de ser desenvolvida”, diz o secretário-geral de Articulação da Defensoria Pública da União, Renan Vinícius Sotto Mayor de Oliveira.
O Decreto Presidencial 7.053, assinado em 23 de dezembro de 2009 por Luiz Inácio Lula da Silva, e que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, já indicava a importância do mapeamento para implementação de políticas públicas para essa parte da população. O artigo 13 prevê o apoio do IBGE e do Ipea ao Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Ciamp-Rua).
A política é considerada um marco na luta pelos direitos da população de rua, pois estabeleceu as diretrizes para garantir seus direitos, entre os quais a dignidade. De acordo com o decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum: pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular e que utiliza os locais públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.
*Reportagem: Diana Bispo (sob supervisão), Cíntia Sasse e Nelson Oliveira. Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira. Estagiária: Ana Luisa Araujo. Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy. Reportagem e pesquisa fotográfica: Ana Volpe. Infografia: Diego Jimenez
Imagem em destaque: moradores de rua no Centro de São Paulo. Foto de Rovena Rosa/Agência Brasil
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