Um guia para acompanhar os desfiles de São Paulo e do Rio

Apresentamos os enredos, apontamos favoritas e quem deve surpreender, além de informações básicas para você se inteirar das duas maiores apresentações de escolas de samba do país

Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista) | De Curitiba (PR)

Chega março e não chega o Carnaval?

Demorou, mas o maior espetáculo da Terra (o clichê é verdadeiro) esperou passar fevereiro, mas, enfim, chegou.

Estamos a falar dos desfiles das escolas de samba – em particular de São Paulo e do Rio de Janeiro, os dois mais badalados do Brasil.

Preparamos um guia, voltado sobretudo a quem gosta dos desfiles, no entanto durante o ano não acompanha os preparativos, e fica a par já às vésperas da folia.

Com a experiência acumulada pela Rede Macuco em cobertura de desfiles das escolas de samba, ousamos:

  • Apontar favoritas ao título, com base no enredo e samba para 2019, nos preparativos, e no histórico recente
  • Identificar escolas que podem surpreender, merecem uma atenção toda especial
  • Analisar relevância e criatividade dos enredos e sambas propostos.

Vamos lá, então?

FAVORITAS

É sempre a parte mais difícil. O risco de apontar as mesmas de sempre é grande, porém geralmente inevitável.

Em São Paulo, o equilíbrio dos últimos carnavais deve se acentuar mais ainda em 2019. É bem provável que o título seja definido nos critérios de desempate. Consideramos:

  • Acadêmicos do Tatuapé, que busca o terceiro consecutivo; Mocidade Alegre, que vem com enredo que promete beleza, e Mancha Verde, também com enredo de grande expectativa, numa primeira faixa de favoritismo.
  • Não dá pra deixar de incluir a Vai-Vai que, apesar de estar passando internamente por um período conturbado, tende a vir forte com enredo sobre quilombo.

No Rio de Janeiro, como sempre, a diferença se faz em um e outro detalhe. Vemos:

  • Salgueiro, com enredo cara da escola – sobre Xangô; Beija-Flor, que vai resgatar sua vitoriosa história, e conta com o maior de todos os intérpretes, Neguinho; e Portela, também com enredo que é o retrato da agremiação, sobre Clara Nunes.
  • Numa faixa ligeiramente abaixo, mas muito favorita também, a Mangueira.

ATENÇÃO ESPECIAL, QUE ELAS DEVEM ENCANTAR

Nem sempre a campeã é a que fez o desfile mais marcante, ou que apresentou um quê especial. Podem surpreender:

  • Em São Paulo, a Acadêmicos do Tucuruvi, que vai falar sobre as lutas por liberdade na história do Brasil; a Colorado do Brás, ao contar a reconstrução do Quênia depois da guerra civil de 1963
  • No Rio de Janeiro, a Paraíso do Tuiuti, que promete mais uma vez um desfile de contundente crítica social, porém bem humorado, ao fazê-la por meio da história do famoso bode cearense Ioiô; e a União da Ilha, que vai apresentar na avenida uma “peleja poética” entre Rachel de Queiróz e José de Alencar.

OS ENREDOS E SAMBAS

Em São Paulo, em pelo menos cinco dos 14 enredos e sambas há presença de crítica política e social direta. A ordem de desfile na Passarela do Samba Adoniran Barbosa, no Complexo Grande Otelo, no Anhembi, é a seguinte:

  • DE SEXTA PARA SÁBADO
    • COLORADO DO BRÁS: a reconstrução do Quênia, depois da guerra civil de 1963. Bastante original.
    • IMPÉRIO DA CASA VERDE: os 124 anos do cinema. O samba-enredo não é proporcional à riqueza do enredo.
    • MANCHA VERDE: a saga de um princesa africana trazida para o Brasil para ser escravizada; a luta e resistência do povo negro. Promessa de bela história.
    • ACADÊMICOS DO TUCURUVI: as lutas na história do Brasil por liberdade. A princípio, interessante. Aguardemos para ver quais e como essas lutas serão apresentadas.
    • ACADÊMICOS DO TATUAPÉ: os guerreiros da humanidade, com destaque aos guerreiros africanos, e a lideranças políticas mundiais que lutam pela paz; os guerreiros do samba. Forte enredo.
    • X-9 PAULISTANA: Arlindo Cruz, cuja presença chegou a ser cogitada, mas não foi viabilizada por restrições de saúde do cantor e compositor. Bela homenagem. Deve emocionar.
    • TOM MAIOR: enredo filosófico; relação entre crença e ciência, entre o real e o imaginado e imaginável. Meio viagem, que também é preciso.
  • DE SÁBADO PARA DOMINGO
    • ÁGUIA DE OURO: a histórica exploração predatória das riquezas do Brasil. Se não cair no clichê de “contra tudo o que está aí”, tem tudo pra ser um desfile de crítica séria, contundente.
    • DRAGÕES DA REAL: sobre o tempo. Bastante abstrato. Aguardemos.
    • MOCIDADE ALEGRE: a lenda indígena Ayakamae, sobre a criação do Rio Amazonas, pelo Sol e pela Lua. Bonito demais. Com a expertise da Mocidade, deve ser um desfile ímpar.
    • VAI-VAI: o quilombo do futuro; a resistência negra. Enredo que é a síntese da escola.
    • ROSAS DE OURO: história da Armênia. Tudo pra ser uma bonita homenagem ao país com grande número de imigrantes em São Paulo
    • UNIDOS DE VILA MARIA: a cultura peruana. Dá uma beleza artística e plástica incrível. Deve encantar.
    • GAVIÕES DA FIEL: a história do tabaco (reedição de enredo de 1994). O enredo não é dos mais interessantes, mas o samba, esse sim.

No Rio de Janeiro, neste ano as críticas sociais e políticas devem ser menos recorrentes. Mangueira, com menção a Marielle Franco no samba-enredo sobre a história não oficial do Brasil, e a Paraíso do Tuiuti, que a partir do Bode Ioiô deve denunciar mazelas do poder no país, são as duas com enredos assumidamente políticos. Confira esses e outros temas que vão marcar a Passarela do Samba Darcy Ribeiro, na Avenida Marquês de Sapucaí:

  • DOMINGO PARA SEGUNDA-FEIRA
    • IMPÉRIO SERRANO: a partir de Gonzaguinha e sua música, vai questionar: “o que é a vida?”. Boa reflexão propõe a tradicional escola da região de Madureira.
    • VIRADOURO: inventou uma história, presente em um livro mágico, e essa história será contada na avenida. Só vendo para melhor entender. A escola, de Niterói, assim com a Império Serrano, está de volta ao grupo especial.
    • GRANDE RIO: vai mostrar que todo mundo comete ou já cometeu seus desvios, de pequenos deslizes e infrações a delitos maiores. Da crítica de comportamento, deve tangenciar sobre temas como corrupção. A ver.
    • SALGUEIRO: Xangô, o orixá da justiça, é o enredo que tende a ser apresentado com forte presença de elementos africanos – a começar pelo samba -, como bem gosta e saber fazer a vermelho e branco.
    • BEIJA-FLOR: “fábulas da Beija-Flor” vai remeter a enredos históricos da escola de Nilópolis. Tem um dos três melhores sambas do ano. Perdeu Laíla, mas tem Neguinho da Beija-Flor como maior referência.
    • IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE: abordará o dinheiro. Teria tudo para ser um enredo bem crítico, porém, a julgar pelo samba, terá uma narrativa mais histórico-cronológica do que ideológica.
    • UNIDOS DA TIJUCA: a história do pão, como alimento e como símbolo religioso. Grande expectativa porque tem Laíla, vitoriosíssimo e patrimônio da Beija-Flor, como carnavalesco. Conta com a volta de Wantuir como intérprete, voz marcante da escola do pavão.
  • DE SEGUNDA PARA TERÇA-FEIRA
    • SÃO CLEMENTE: reedita “e o samba sambou…”, enredo de 1990, uma crítica ao samba moderno de Carnaval. Nos últimos anos, principalmente quando contou com Rosa Magalhães, a rubro-amarelo fez desfiles caprichados e animados. Vamos ver se mantém a toada.
    • VILA ISABEL: discorrerá sobre a cidade de Petrópolis. Nem o enredo nem o samba empolgam. Tinga, de volta ao carro de som depois de passagens pela Unidos da Tijuca, terá trabalho para conduzir a escola na avenida. Sabrina Sato na bateria está confirmada.
    • PORTELA: enredo biográfico, em homenagem a Clara Nunes. É um dos três melhores sambas do ano, embora distante da qualidade das safras recentes de Oswaldo Cruz e Madureira. Tem tudo para encantar.
    • UNIÃO DA ILHA DO GOVERNADOR: “A peleja poética entre Rachel [de Queiróz] e [José de] Alencar”, ambientada no Ceará. É a literatura trazida para avenida. Com Ito Melodia, que no fim de semana passado deu show nos desfiles das escolas de samba de Santos (pela Unidos dos Morros), a União da Ilha vai brigar pela ponta.
    • PARAÍSO DO TUIUTI: Bode Ioiô, animal retirante da seca e que nos anos 20 e 30 vivia pelas ruas de Fortaleza (chegou a ser eleito vereador em 1922; voto de protesto, evidentemente), é o homenageado da escola, uma forma lúdica de mais uma vez fazer crítica política contundente. Tem tudo pra brigar pela ponta.
    • MANGUEIRA: vai trazer a história do Brasil que o poder, o establishment procura esconder, deturpar. Nesse contexto, vai ter homenagem a Marielle Franco. Desfile que guarda grande expectativa.
    • MOCIDADE INDEPENDENTE DE PADRE MIGUEL: vai falar sobre o tempo. O que exatamente, só vendo. Conta com Wander Pires, intérprete, em excelente fase.

A Rede Macuco vai cobrir in loco os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, no domingo e na segunda-feira. Teremos atualizações pelo twitter (@redemacuco) e pelo instagram (@redemacuco).

Imagem em destaque: alegoria da Dragões da Real, já no Anhembi, pronta pro desfile desta sexta-feira, 1º. Divulgação Dragões da Real


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