Apagão no Amapá escancara o escracho da privatização

Caos foi causado por concessionária multinacional; empresa pública (Eletronorte) teve de assumir a bronca. Senador pelo Estado, Randolfe Rodrigues defende encampação


Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista) | De Curitiba (PR)

Não é opinião, é fato: o apagão no Amapá é fruto do modelo privatizado do sistema de energia elétrica.

Antes de falarmos do Amapá e do apagão sofrido pelos amapaenses desde 3 de novembro de 2020 é preciso voltar no tempo, para que se entenda o hoje.

Esse modelo privatizado de um serviço essencial e estratégico como é a energia elétrica completou 25 anos agora em 2020.

Foi implementado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, em 1995, com apoio dos partidos do centrão de direita e de direita que lhe davam sustentação.

O sistema elétrico brasileiro, construído ao longo de quase um século, começou a ser desmontado, para poder ser privatizado.

As atividades de geração, de transmissão e de distribuição foram divididas.

Antes, as empresas – estatais e públicas – atuavam em todas essas etapas.

Com o desmembramento, as etapas passaram a poder ser operadas por empresas diferentes.

Assim, nem sempre a empresa que gera energia é a que transmite até uma empresa distribuidora. Assim como nem sempre a que transmite foi a que gerou e é a que distribui. Da mesma forma, a empresa que distribui (até nossas casas) nem sempre é a que gerou nem a que transmitiu a energia.

Confuso?

É mesmo.

Por causa dessa confusão toda, entre julho de 2001 e fevereiro de 2002 o Brasil viveu a crise de energia – o racionamento, o famoso “apagão”.

Além de todas essas atividades seccionadas, com a privatização liberada em 1995, boa parte das empresas concessionárias passou a ser de capital privado (inclusive estrangeiro). E, você sabe, empresas de capital privado buscam, acima de tudo, o lucro. A conta não fechou, veio o apagão no início do milênio.

Voltemos a 2020, e ao Amapá.

(Prepare-se que a situação é ainda mais confusa).

A transmissão na energia no Estado é feita pela “Linhas de Macapá Transmissora de Energia” (LMTE).

Essa empresa privada é a dona da subestação onde houve o problema causador do apagão.

Essa empresa, LMTE, pertencia à espanhola Isolux. A Isolux ganhou, em 2008, a concessão para as atividades de transmissão.

No entanto, notícias dão conta que desde 2016 a Isolux enfrenta grave crise financeira. De 2019 para 2020, a empresa espanhola passou a LMTE para a empresa privada Gemini Energy.

Essa Gemini Energy é de propriedade de dois “fundos de investimentos” multinacionais – o Starboard (80%) e o Perfin (20%).

A Gemini Energy, empresa privada de capital multinacional, é a responsável por transmitir a energia das usinas geradoras para a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) – esta uma empresa pública, controlada pelo governo estadual.

É feita a transmissão de uma energia gerada principalmente pela Usina de Tucuruí, no Pará, da Eletronorte – subsidiária da Eletrobrás, empresa pública.

Então, é assim:

  • Boa parte da energia é gerada por Tucuruí (Eletronorte, pública, governo federal)
  • Essa energia gerada é transmitida pela Gemini Energy (privada, multinacional)
  • A energia transmitida vai para a CEA (pública, do governo do Estado do Amapá), que distribui para as residências, comércio, indústria, serviços, logradouros, enfim, para os consumidores

Como o problema foi na transmissão de responsabilidade da empresa privada, a companhia de distribuição não tinha o que distribuir.

Emergencialmente, a Eletronorte (responsável pela geração) é que precisou socorrer os amapaenses e tem, emergencialmente, feito a transmissão com e como pode, para que a CEA faça a distribuição.

Um dos senadores pelo Amapá, Randolfe Rodrigues (partido Rede), protocolou na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) um pedido de intervenção na LMTE/Gemini Energy, e de cobrança de multa.

O senador defende a cassação da concessão da LMTE, com a encampação das linhas pela Eletronorte:

“O que está ocorrendo no Amapá é criminoso!  A concessão da LMTE tem que ser cassada imediatamente e as linhas de transmissão encampadas pela Eletronorte. A diretoria da Aneel e a do ONS [Operador Nacional do Sistema] têm que ser afastadas até a conclusão das investigações conforme peticionamos na Justiça”, afirmou Randolfe Rodrigues, pelo twitter.

E já há outros parlamentares e lideranças políticas e sociais se mobilizando para impedir a privatização da Eletrobrás – projeto que o ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, quer empurrar a todo custo.

(Como já conseguiu fazer com a água e o saneamento)

O caso do apagão no Amapá escancara o escracho que é o modelo privatizado de serviços essenciais e estratégicos, como energia elétrica.


Imagem em destaque: escuridão nas ruas de Macapá. Por Dayane Oliveira/Brasil de Fato


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