Uma por uma, as infrações legais contra a vida, que vêm do Planato. Por Sérgio Sérvulo da Cunha

Jurista aponta cada um dos artigos do código penal brasileiro em que flagradamente se aplicam as atitudes do presidente da República em relação à pandemia.


Contra a vida, a serviço do demônio
Por Sérgio Sérvulo da Cunha | De Santos (SP)

À parte a sub-notificação, alcançaremos hoje, no Brasil, a marca de trinta mil vítimas fatais pelo coronavirus. Serão, esses trinta mil, aqueles mesmos que, segundo o nosso mussolini – que agora, a cavalo, virou napoleão de fancaria – precisariam morrer? Seria contra esses que, em comícios eleitorais, o então candidato apontava sua metralhadora giratória?

Evidentemente, não é possível estabelecer uma relação direta de causalidade entre essas mortes e a política omissiva do governo federal. Mas podemos debitar, muitas dessas mortes, à sua deliberada omissão. É perfeitamente possível estabelecer uma relação estatística entre o isolamento social, as medidas preventivas, o número de testes, a política de saúde, a disponibilidade de equipamentos hospitalares, de um lado, e, de outro, o número de vítimas da pandemia. Compare-se, por exemplo, com o que vem acontecendo na Argentina.

Diz o código penal brasileiro, em seu art. 13, § 2º: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.”

No caso, a existência de crime independe da ocorrência de um resultado danoso, porque se trata de um “crime de perigo” (letra “c”). É crime de perigo, contra a saúde pública, “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa” (código penal, art. 268). Também é crime de perigo “expor a vida ou saúde de outrem a perigo direto e iminente” (código penal, art. 132).

Por outro lado, o descumprimento de ordem legal por parte de autoridade pública, seja no exercício de sua função, seja como particular, pode configurar o crime de prevaricação, ou o crime de desobediência (neste caso, art. 330 do código penal).

Tecnicamente, não se pode falar, nesse caso, em homicídio, ainda que o presidente, por convicções pseudocientíficas, por primitivismo fatalista, ou pelo exercício de um sacerdócio macabro (tipo klan), tenha omitido providências que salvam vidas, ou tenha se oposto à prática, por subordinados seus, de providências que salvam vidas. Mas pergunto: se homicídio significa matar alguém; e se a morte resulta da ação de outrem, ativa ou omissiva, os parentes das vítimas podem requerer a instauração de inquérito criminal? Concluído esse inquérito, e sendo apurada a co-responsabilidade do presidente da República, o Ministério Público deverá denunciá-lo ao órgão competente para efetuar o julgamento (o Supremo Tribunal Federal), ou solicitar autorização ao presidente da Câmara dos deputados (à qual compete admitir acusação penal contra o presidente da República?). Ou os parentes podem ingressar diretamente no protocolo da Câmara dos deputados, pedindo a autorização para a responsabilização do presidente?

Levemos adiante essa indagação. Além da responsabilidade penal – para cuja efetivação faz-se necessária autorização da Câmara dos Deputados (Constituição, art. 86) – o presidente da República poderá ser responsabilizado, ou co-responsabilizado civilmente pela família das vítimas, vindo a ser condenado ao pagamento de perdas e danos? Note-se que nesse caso a ação é movida contra a respectiva agência do governo (que depois se volta regressivamente contra o agente ou agentes responsáveis), ou contra o próprio agente ou agentes, na jurisdição civil comum e na comarca de domicílio do réu, independentemente de autorização pela Câmara dos Deputados.

Incidem também a lei 13.979/2020 (não se sabendo ainda o que sobrará dela, dada a pendência da medida provisória nº 926, de 20.03.2020), a portaria nº 356, de 11.03.2020) do Ministério da Saúde, e a Portaria Interministerial nº 5 (de 17.03.2020). Note-se, por exemplo, que a autoridade policial tem o dever de lavrar termo de flagrante por desobediência (art. 330 do código penal) de quem circula em lugar público sem usar máscara. Com efeito, segundo essa portaria, “o descumprimento das medidas previstas no art. 3ª da Lei nº 13.979, de 2020, acarretará a responsabilização civil, administrativa e penal dos agentes infratores” (art. 2º), e “as medidas de reparação de danos materiais, de que trata o § 2º, dar-se-ão sem prejuízo de eventuais demandas movidas por particulares afetados pela conduta do agente infrator” (art. 3º).



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