Brasil precisa entender sobre migração e refúgios para evitar xenofobia

Mito de que a sociedade brasileira é aberta e receptiva a todos está sendo rompido neste momento em que, ao receber imigrantes não brancos, o país registra casos de preconceito e racismo

Por Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp | De São Paulo

O processo atual de migrações internacionais é completamente diferente do ocorrido no Brasil na virada do século XIX para o XX. Se antes ele era muito centrado nas imigrações europeias, incluindo pedidos de refúgio após a Segunda Guerra Mundial, hoje ele é diverso, multirracial e derruba mitos que existiam até então, como o de que o Brasil é um país aberto e receptivo a todos.

O tema da migração e refúgio no século XXI foi debatido por especialistas no Ciclo ILP-FAPESP “Refugiados e Migrantes: Vidas em Movimento”, realizado no dia 19 de junho pela Fapesp em parceria com o Instituto do Legislativo Paulista (ILP). Do encontro, saíram apontamentos como a necessidade de a sociedade brasileira discutir, para compreender, essa onda de migração do século XXI, para que combata preconceitos e racismo, e evite atos de xenofobia.

Uma das debatedoras, a professora Rosana Baeninger, pesquisadora do Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), advertiu para o preconceito contra os novos imigrantes. “O século XXI anuncia uma migração não branca. É uma imigração negra e, em muitos casos, indígena. Ela não só traz uma diversidade étnico-racial muito grande, como desconstrói o mito de receptividade que temos e que estava pautado na migração europeia dos séculos XIX e XX.”

Segundo Rosana Baeninger, o preconceito é presente não só pelo processo histórico brasileiro de racismo, vinculado a etnia e cor, mas também com países que não são a preferência da sociedade. “O perigo de não levarmos para a sociedade as informações que preparem para as políticas sociais é justamente o aumento da discriminação e do preconceito chegar a uma xenofobia cada vez mais evidente na sociedade.”

ATLAS

No evento houve também o lançamento do Atlas Temático Migração Refugiada, suplemento do Atlas Temático – Observatório das Migrações em São Paulo, levantamento realizado por pesquisadores do Observatório das Migrações em São Paulo da Unicamp e coordenado por Rosana Baeninger.

De acordo com dados tabulados nos Atlas, entre 2000 e 2016 foram registrados 5.352 refugiados no Brasil, dos quais 2.582 residindo no Estado de São Paulo (48% do total).

O maior fluxo de refugiados no século XXI em São Paulo foi da Síria, com 1.030 novos registros no período, seguida de refugiados da República Democrática do Congo (318 refugiados, entre 2000-2016), Colômbia (241), Mali (91), Angola (88), dentre outros.

“Muitos migrantes ficam completamente chocados quando são vítimas de racismo no Brasil. Eles dizem que não esperavam situações de preconceito em um país como o Brasil, com a maior parcela da população composta por negros e pardos”, disse a pesquisadora Sylvia Dantas, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Orientação Intercultural da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Para ela, que trabalha com o impacto psicossocial em migrantes, entender processos migratórios é perceber aspectos humanos. “Entender o impacto que o ato de migrar, ou de se refugiar, tem e suas implicações psicológicas são fundamentais no sentido de compreender algo que faz parte da gente e que até então poderia não ser percebido.”

O Atlas Temático Migração Refugiada traz ainda dados sobre o aumento de 34 vezes no número de pedidos de refúgio em apenas sete anos: passando de 966, em 2010, para 33 mil, em 2017. No total, foram 127.068 solicitações de refúgio nesse mesmo período, das quais 52.243 do Haiti e 17.865 da Venezuela. Os haitianos receberam visto humanitário, sendo que foram reconhecidos como refugiados 5.246 imigrantes nesse período.

“Quanto mais os países do Norte fecharem as fronteiras para os refugiados, mais regiões como a América Latina serão o caminho e o lugar de trânsito para esses imigrantes e refugiados. O que está por vir não é um volume maior de migrantes, mas sim uma heterogeneidade cada vez mais crescente. São diferentes nacionalidades do sul global”, explicou Rosana Baeninger.

Para a pesquisadora, outro fator importante para o aumento do pedido de refúgio está ligado a peculiaridades da legislação migratória brasileira, que tem o pedido de refúgio como o modo mais seguro para que migrantes de algumas partes do mundo entrem de maneira regular no Brasil.

NOVA LEI BRASILEIRA

Desde 2017, está em vigência Lei da Imigração (13.445/17). “Ela traz avanços significativos no campo da proteção dos direitos humanos ligados aos migrantes. Até a nova lei, os migrantes tinham restrições a direitos, como, por exemplo, direito de reunião, de manifestação política”, salientou o pesqiusador Luís Renato Vedovato, do Instituto de Economia da Unicamp.

Para Vedovato, embora a lei esteja vigorando e traga avanços, ela precisa ainda da instalação de políticas migratórias, de refúgio e de apatridia. “Tudo isso exige a participação do gestor público, do legislador subnacional. Vale dizer que a nova lei não mexe na proteção do refúgio. O refugiado continua sendo protegido pela lei de 1997, mas a nova lei da imigração traz um avanço significativo no campo do migrante em geral”, disse.

PONTO DE ENTRADA

Outro ponto levantado no debate é o fato de que nem sempre o Brasil é o destino final dos migrantes e refugiados. É o caso da migração dos haitianos, que aumentou após o terremoto de 2010 – quando cerca de 230 mil pessoas morreram e mais de um milhão ficaram desabrigadas – e também com o fechamento das fronteiras dos Estados Unidos. Nesse caso, o Brasil surgiu como um ponto de entrada para a busca de outros países como destino final.

“Precisamos pensar em políticas pautadas na interculturalidade e não em assimilacionismos, pois essas populações não necessariamente enxergam o Brasil como um destino final. É preciso também que as pequenas cidades estejam preparadas para receber contingentes populacionais que não têm raízes históricas conosco. Isso acontece com mais força ainda no caso dos refugiados”, disse Baeninger.

De acordo com o Atlas Temático Migração Refugiada, as migrações não ocorrem apenas para os grandes centros urbanos como a cidade de São Paulo. Dos 5.570 municípios brasileiros, 274 tiveram ao menos um registro de refugiado, como sírios, congoleses, nigerianos, colombianos, libaneses, e, mais recentemente, cubano e venezuelano, entre 2000 e 2016.

Imagem em destaque: “Encontro sem fronteiras”, em 2017, que reuniu migrantes e refugiados em Brasília. Foto de Marcelo Camargo/Agência Brasil


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